segunda-feira, novembro 13, 2006

É preciso ser preto para ser angolano?
É preciso ser preto para ser da UNITA?

Um velho amigo, branco, médico das Forças Armadas de Angola (obviamente adversário político) sabe que estou a escrever um livro sobre a UNITA, vista e sentida a partir de Portugal. De vez em quando manda-me algumas reflexões sobre a sua experiência, quer como clínico quer como militar, primeiro das FAPLA e depois das FAA.

A última mensagem não é uma reflexão, embora formalmente o pareça. É, e ele sabe que eu ia perceber isso, uma salutar provocação.

Em síntese, o meu velho amigo pergunta-me a razão porque a maioria dos simpatizantes brancos que a UNITA teve em Portugal ou se afastou pura e simplesmente ou está hoje muito mais perto do MPLA.

Será? Os casos, e são alguns, que conheço revelam um afastamento e não uma mudança de trincheira. A análise desse facto não cabe, por agora, aqui. Serve, contudo, para me trazer à mente o que se passou em Julho de 1975 quando, no Cuma, o dircurso de Jonas Savimbi incendiou a conviccão de muitos brancos.

Até então a adesão de brancos, pretos e mestiços à UNITA foi maciça. Daí para a frente, mau grado os esclarecimentos imediatos do presidente Savimbi, nada mais foi igual. A comunicação social, quase toda ao serviço do MPLA, não se cansava de empolar sem esclarecer o que se tinha passado.

Savimbi terá reagido a uma meia verdade que lhe fora transmitida, nessa mesma altura, por supostos representantes dos brancos, casos de Fernando Falcão, Corte Real, Pinto Leite e Espírito Santo.

Segundo eles, os brancos só teriam aderido à UNITA porque acreditavam que ela manteria os seus privilégios. Nunca a UNITA disse, ou permitiria tal coisa, tal como a maioria dos brancos não queria nada disso.

Creio, contudo, que essa dúvida permanece até hoje na mente dos dirigentes da UNITA. Ou seja, qualquer branco que se aproxime é considerado suspeito... até prova em contrário. Há excepções, há sim senhor. Mas essas excepções servem apenas, e infelizmente, para confirmar a regra.

Se em 1975, a propósito ou não do que Savimbi dizia em português e em umbundo, alguns brancos ficaram com dúvidas e a própria UNITA duvidava de sinceridade dos brancos, 31 anos depois nada disto deveria fazer sentido.

Contudo, manda a verdade que se diga que é mais fácil a qualquer branco singrar no MPLA do que na UNITA. É pena. Isso não signfica que, no meu caso, mude de trincheira ou engrosse a coluna dos que se afastam sem destino determinado.

Se, em 1975, Rosa Coutinho e todos os seus lacaios não alteraram as minhas convicções, não é agora que alguém o conseguirá fazer. Mas que somos cada vez menos... isso somos.

11 comentários:

Anónimo disse...

A velha história mas na boca de velhos amigos...

Confesso que sou branco e ao contrário de alguns, gosto de o ser(se calhar é do hábito...).
Confesso que sou militante e não simpatizante da UNITA e ao contrário de alguns gosto de o ser(se calhar é do hábito...).

Atravessei umas tantas cidades, umas dezenas de comícios, umas centenas de rios e riachos, uns milhares de quilómetros de chanas e florestas e alguns anos de militância para chegar a Portugal. Em Portugal os amigos e os que o não eram questionaram-me vezes sem conta exactamente pelo motivo que OC refere. Savimbi falava ou não uma coisa em portugês e outra em umbundo ?

Claro que falava !!!! Só quem é ignorante sobre o umbundo pode imaginar que se possa fazer uma tradução literal de português para o umbundo e vice-versa. Qualquer linguista atento dirá que devido às características do umbundo isso é.

Para além de todos os mal-entendidos possíveis e imagináveis, houve sempre esse senão.

Agora quanto ao resto... Como no Mpla ou na Fnla, na UNITA também existiram e certamente existem racistas. Certamente que não ao nível das cúpulas e a prová-lo o número de excelentes deputados brancos que a UNITA tem (em maior número que o próprio Mpla). Quanto aos orgãos partidários, aqueles que dizem ser mais fácil um branco singrar no Mpla do que na Unita, deveriam contabilizar quantos brancos e mestiços o Mpla afastou nos ultimos anos e quantos a Unita afastou.

O engraçado da situação actual é que aos meus amigos do Mpla encontro cada vez mais instalados em Portugal, aos meus amigos da Unita encontro cada vez menos aqui e cada vez mais lá.

Será apenas coincidência ?...

Anónimo disse...

Caríssimo Orlando Castro

Não será preciso ser muito inteligente para perceber a diferença. O Mpla manteve-se no poder a Unita nunca lá chegou.
O Mpla manteve os tachos e os jobs, a Unita não os tinha para poder distribuir.
Será dificil perceber que brancos foram ficando ???

Anónimo disse...

Caro Uabalumuka,

Sou engenheiro, nasci em Nova Lisboa e lá vivi até aos fins de 1975. Tal como o Orlando, filiei-me na UNITA por convicção. Em Portugal, desde os longínquos encontros com o Alcides Sakala nos encontros dos Amigos do Huambo, nas Caldas da Rainha, sempre manifestei a minha disponibilidade para ajudar a UNITA, cá ou em Angola, no que fosse preciso. Sempre e por várias vezes. E o que fez a UNITA? Nada. Portanto, nem sempre o que parece é.

Fernando Loureiro

Viagem pelas ruas da amargura disse...

Aviso à navegação: não sou, nem nunca fui, militante de qualquer partido/movimento angolano. Mas, tal como em 1974/75, era eu um fedelho de calças sobre o joelho, volto a perguntar: essa questão do branco/preto/mestiço faz algum sentido?
Já o disse de viva voz ao Orlando, e insisto: o que eu penso ou não penso, o que faço ou não faço, alguma coisa muda em função da cor da minha pele?
Não ignoro as décadas (séculos) de prejuízo para o negro pelo simples facto de ser negro. Ou mestiço. Penso na Administração Pública na década de 1960 e apenas havia brancos em lugares de chefia, com prejuízo evidente de outras pessoas que tinham cometido o grave crime de nascer negras, ou mestiças. Conheci e privei com alguns desses angolanos que foram, obviamente, afastados de cargos que eram seus por mérito.
Em 1974, para mim, essa questão deixou de fazer sentido. Mais de três décadas ainda se insiste no argumento?

Anónimo disse...

Eu sei que é de mau gosto encetar diálogo num blog, mas a tentação é muita e OC certamente me perdoará.

Meu Caro Engenheiro, nem sempre é possível acarinhar e receber toda a gente, as condições não tem sido fáceis como sabe e de vez em quando os "nossos amigos" atiram-nos para passeios em que os "prazeres" são morrer à fome ou de morte matada mesmo. Mas não é tarde, nunca é tarde, e em nome da liberdade daquele que é o nosso País vamos resistindo. Mande o seu e-mail ao autor deste blog, ele certamente não se importará do mo passar. E vamos falar.

Quanto ao senhor "Viagem pelas ruas da amargura" - faz sentido porque esse é o problema com o qual estamos, como diriam na nossa terra. Faz sentido porque é preciso educar, ensinar, fazer sentir, que a cor não importa. Faz sentido porque só falando nos problemas eles se resolvem.

Faz sentido lá e cá.

Porque em Portugal também esses problemas existem. Quanto negros e mestiços, indianos, cabo-verdeanos ou ciganos nós vemos em cargos públicos, politicos em Portugal? E só refiro as comunidades em que a percentagem de cidadãos com cidadania portuguesa é muito grande.

Por isso faz sentido falar, para afastar os burros e os racistas (desculpe eu sei que é pleonástico).

Quanto a Angola, o poder não discute o assunto. Como não discute a percentagem de "umbundos" ou de "guenguelas" ou de "quiocos" que existem na função pública, nos empregos, nos cargos governamentais, nas escolas. Porque esses números não convem discutir, por serem minoritários, apesar de no seu conjuntos estes grupos étnico-linguisticos representarem talvez setenta por cento da população.

Por isso faz todo o sentido.

Anónimo disse...

Não faz sentido? Eu também desejo que não faça. Mas a realidade é diferente. Os que têm dúvidas podem fazer um exercício simples. Escrevem um texto (e eu já o fiz várias vezes ao longo dos últimos anos) a dizer que são portugueses e que gostariam de colaborar com Angola. Mandem-no para o MPLA e para a UNITA. O que vai acontecer? O MPLA não demora a responder, a UNITA (eu fiz quatro tentativas via sites do partido – unitaeuro.com e kwacha.net) e a resposta ainda não chegou. Nada tem a ver com a cor da pele mas com o profissionalismo dos dois partidos, dir-me-ão. Talvez. Mas não basta ser sério... E se é verdade que o MPLA tem a máquina do poder, a UNITA tem de encontrar alternativas. É que corre o risco de ficar com a fama e sem o proveito.

Rosália Leite-Velho

Viagem pelas ruas da amargura disse...

Caro uabalumuka

Admito que possa ter razão, até por via do meu desconhecimento da realidade actual angolana.
Quanto a Portugal tenho as maiores dúvidas do que diz, até porque o racismo e axenofobia não têm pernas para andar.
De qualquer modo, eu colocava a questão noutra perspectiva. Diz você que "faz sentido porque é preciso educar, ensinar, fazer sentir, que a cor não importa". Pergunto: faz sentido, em 2006, ainda andarmos a ensinar que a cor não importa? Se sim, cá e lá, o que se andou a fazer, então?

Anónimo disse...

Ó Orlando Castro, hoje tomo o teu espaço...

Minha Caríssima Rosália Leite-Velho, admira-me que lhe não tenham respondido.

Experimente enviar o seu caso para sidunitap@gmail.com, vai ver que lhe respondem. E já agora o Mpla respondeu-lhe (como assume que eles respondem logo imagino que sim).

Quanto a "Viagem pelas ruas da amargura" desculpe o desabafo mas acho que desconhece também a realidade portuguesa. Experimente observar num Centro comercial quando entra alguém, amarelo, castanho, verde ou de outra cor qualquer que não seja o rosadinho habitual. Observe os seguranças deslocando-se exactamente atrás dos ditos cujos com ar de quem está a ler um jornal imaginário e assobiando para o alto.

Dir-me-á que existem razões para isso. Existem sim senhor, mas não é assim que se resolvem as questões. Aquiracismo e xenofobia vão longe. Ainda.

E em Angola ? Infelizmente também.

Não da parte das populações, que essas recebem as pessoas de braços abertos, sejam elas brancas, castanhas, amarelas, pardas ou verdes. Mas existe esse racismo numa camada burguesa do poder, com medo de perder os privilégios, que abusivamente adquiriram.

Talvez ou também por isso esse é um problema menor na UNITA, porque essa camada burguesa com privilégios não existe.

Eu acredito que quando ela existir, porque a UNITA certamente será o próximo poder, essa camada não existirá, porque entretanto se passou toda para o Mpla...

Anónimo disse...

1. Não vou fazera qui a apologia de quem é quem melhor para o M ou para os dirigentes do "Galo Negro"
2. Também não vou aproveitar para defender esta ou aquela atitude e comentário aqui deixado;
3. Basta ler o livro de Alcides Sakala para perceber porque é que a UNITA ainda mantém um certo "deixa-os para lá" com os portugueses e brasileiros, em geral e em particular;
4. É possível, e porque a guerra assim o mostrou que muitos mudaram de camisa consoante as suas conveniências, que essa atitude se tenha virado, um pouco, para "os outros" brancos, mesmo aqueles que foram seus incondicionais apoiantes;
5. Mas também relembremos que alguns deles, até foram deputados e defendidos pelo "mais velho" lhe viraram as costas abrupta e sem qualquer evidente razão... pelo menos nunca o declararam ou o disseram;
6.A UNITA esteve muitos anos na mata, sem uma administração político-administrativa estatal enquanto o M esteve a consolidar o seu aparelho no Estado com as consequências que hoje se vêem e se lêem;
7. Como Samakuva há dias esclareceu numa entrevista ao Angolense neste momento a UNITA só sobrevive devido à dotação que recebe do Estado angolano; será? talvez! porque muito dos seus fundos foram confiscados e "devolvidos" a Luanda, logo ao poder instituído;
8. Afirmei que não iria "comentar" comentários, mas não posso deixar de recordar as sentidas palavras de Mantorras quando alertou para os actos e ditos xenófobos que "acolheu" em lugares que, paradoxalmente, menos deveriam os aplicar;
9. O problema "branco", "negro" ou "mestiço" põe-se com acuidade em Portugal e, como alguém acima recordou, na própria Administração pública portuguesa. este assunto já foi analisado pelo presidente da Casa de Angola perante um presidente de um partido português - e mais se desejava debatar se eles respondessem aos pedidos de audiência - e a resposta foi que também tinha um angolano na Assembleia: por acaso é branco - tal como o que agora escreve e angolano;
10. Para finalizar este comentarista foi, e honra-se disso, militante por vontade, convicção e leitura do ideário da UNITA; nesta altura é um simpatizante simples que respeita as opiniões contrárias conforme a democracia o exige e que espera que ssa regresse um dia e em força ao meu país: ANGOLA.
Kandandu
Eugénio Almeida

Viagem pelas ruas da amargura disse...

Caro Uabalumuka
Pela minha parte vou encerrar por aqui a polémica sobre o branco/preto/mestiço/verde-às-bolinhas-encaranadas que é, ou não, mal recebida nas sociedades angolana e portuguesa.
E dou por fechada a troca de comentários porque me parece que o caro Uabalumuka está a confundir alguns conceitos, e este não é, decisivamente, o local apropriado para dirimir pontos de vista e questões político-ideológicas.
É evidente que, num centro comercial, o olhar dos seguranças de serviço segue atentamente alguém “amarelo, castanho, verde ou de cor qualquer”. Parece-me óbvio que assim seja, até porque esse mesmo olhar de quem lê um “jornal imaginário”, como você escreve, também é dirigido ao “rosadinho” que tem o azar de pensar que lhe assenta bem um piercing colorido no sobrolho, ao cigano que leva a mulher e a ninhada de filhos atrás, ao branco/negro/mestiço enamorado pela cultura rasta. Parece-me, simplesmente, óbvio que assim seja.
E estou tanto mais à vontade para assim pensar porque – [a minha avó materna era negra; a minha mãe foi criada por escravas (negras, claro!) que o meu avô (branco, claro!), colono, adquiriu para tratarem da filha e da casa; tenho vários tios (uns a viverem em Portugal e outros em Angola) mestiços; o meu maior amigo da infância/adolescência era negro, Mário Augusto de seu nome completo] – nunca por nunca, desde que me lembro de mim como gente, senti na pele qualquer tipo de atitude xenófoba ou racista. De resto, se experimentei alguma segregação foi, precisamente, aos 15 anos, quando cheguei a Portugal em 1975 e de imediato me colaram na testa o selo de “retornado” que sempre reneguei, pela simples razão de que não tinha “retornado” a coisa nenhuma.
Para além da minha experiência profissional, desculpe caro Uabalumuka, não consigo alcançar a relevância que possa ter colocar, ou tentar colocar, uma sociedade (portuguesa ou angolana) a discutir questões rácicas quando há uma infinitude de problemas bem mais sérios e acutilantes que, esses sim, tocam na vida diária de angolanos e portugueses. A burguesia no poder, em Angola e em Portugal, faz aquilo que historicamente sempre soube fazer e bem: luta para que os seus privilégios se mantenham ou sejam ampliados. É a lei da vida, a lei da sobrevivência. Permitir que a burguesia coloque em debate questões que só a ela aproveitam é um erro político, que a prazo até pode ter consequências graves.
E por aqui me fico, com a polémica encerrada.
Um abraço

Fernando L. disse...

Rosália Leite Velho, pode que tenha alguma razâo no que diz, entretanto gostaria contactar consigo, peça ao criador do blog que lhe dê a minha direcçâo mail.-
Fernando Leite