terça-feira, maio 08, 2007

África em nós

Com cinco séculos de história comum, deveríamos, obrigatoriamente, ser o canal preferencial de investimento ocidental em África. O peso afectivo que África tem para os portugueses não tem qualquer tradução na dimensão das relações económicas, ou sequer o mínimo acompanhamento político por parte das nossas autoridades. Com a localização geográfica de que dispomos, poderíamos constituir a porta de ligação de África à Europa; com cinco séculos de história comum, deveríamos, obrigatoriamente, ser o canal preferencial de investimento ocidental em África. Afinal, mais uma oportunidade perdida!

África é, aqui e agora, tema actual e muito presente. Em primeiro lugar, presente para os (poucos) africanos que cá vivem e contribuem para a nossa riqueza cultural e económica, num exemplo de integração que é ímpar na Europa; mas presente também para todos os portugueses que hoje fazem em África a sua vida – lá trabalham, lá têm os seus negócios e as suas famílias; e, por último, no espírito daqueles (muitos) que noutros tempos lá viveram, lá cresceram, de lá trouxeram muitas das suas memórias e parte do seu património.

Todos sentimos a África que há em cada um de nós, mas sabemos também que, ao nível político, o que tem vindo a ser feito em nada contribui para a nossa aproximação a África. O povo português – e cito Agostinho da Silva – “sendo de dispersão, só lhe faz mal haver Estado; espero que no futuro Portugal se solte desse entrave e seja simplesmente (e grandemente) uma Nação”. Pois se a Nação está com África, o Estado ignora África. Até hoje, as iniciativas de carácter oficial são incipientes. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é inexistente, para além dos afectos (e de alguns “tachos”, claro); à Fundação Portugal África não se lhe reconhece actividade relevante. E que papel Portugal poderia desempenhar no contexto internacional se estas instituições funcionassem… Se tirássemos vantagem de alguns dos nossos líderes políticos e militares que possuem um profundo conhecimento dos povos africanos; ou até se nos apoiássemos em líderes africanos de dimensão mundial e forte ligação a Portugal, como Joaquim Chissano.

O problema do abandono a África não é exclusivo de Portugal. As relações entre o Ocidente e África têm estado reféns de interesses económicos que se alimentam da miséria e do subdesenvolvimento. Não é por acaso que a esperança de vida média na África subsaariana diminuiu de forma assustadora nos últimos vinte anos, com países como o Botswana a diminuírem a esperança de vida de sessenta e cinco anos em 1988 para trinta e quatro em 2007! E não é seguramente por culpa dos povos africanos que os vinte países menos desenvolvidos do mundo – tal como são considerados pelas Nações Unidas – são todos, mas todos, do continente negro.

Os governos ocidentais não têm, na sua maioria, sabido lidar com África. Mas têm-no feito de forma sabiamente perversa as grandes empresas ocidentais, dos diamantes ao petróleo, dos produtos farmacêuticos à construção. Muita da designada cooperação económica é apenas e tão só uma nova forma de exploração, que se alicerça no conluio entre poderosas empresas europeias e os ditadores locais.

E, nesta perspectiva, a globalização, a tão endeusada globalização, assume o papel de branqueador de todos estes negócios. Esta capacidade que alguns ocidentais têm de circular em todo o mundo, usufruindo da sua tecnologia, dispondo dos recursos naturais de todo o planeta e utilizando os recursos humanos dos países mais pobres, a que chamamos globalização – chamava-se outrora colonialismo. Assim, como então havia colonizados e colonizadores, hoje há globalizados e globalizadores. Muito mais feroz do que o colonialismo político do século XX, surge o colonialismo económico que lhe sucedeu, a que alguns teimam chamar globalização. Tem menos resistências e nem sequer se socorre de governadores nomeados; apoia-se na conivência dos governantes locais corruptos.

A anunciada cimeira Europa África, que decorrerá ainda este ano em Portugal, irá abordar estes temas? Será uma cimeira de povos e nações e de reforço da democracias? Ou de Estados e grupos económicos coniventes com ditadores?

Nota: Artigo de Paulo Morais publicado hoje no Diário Económico
O autor é Professor universitário de Estatística e Matemática na Universidade Lusófona

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