A história ouvi-a um destes dias, contada por um dos seus protagonistas, e vale pelo que em si mesma encerra de alegoria, o que entendo como a alegoria do tamanho do mundo
No arranque da década de 1970, um jornal destacou uma equipa de reportagem para a zona da Ribeira do Porto. Objectivo: levar a bom termo uma reportagem sobre os sonhos que alimentavam os jovens daquela zona da Invicta. É preciso acrescentar que se estava no início de mais um ano lectivo, o 25 de Abril de 1974 ainda não tinha acontecido e o jovem repórter, de Roland Barthes debaixo do braço, entusiasmava-se com a tese de que era possível fazer literatura através do jornalismo, intervir no Mundo, fazer da sociedade, através da profissão, algo melhor e mais justo para todos.
Sempre a descer até ao Douro, “ caneta” e “bate-chapas” lá foram. Uma das primeiras visões que tiveram – e que encaixava na perfeição nas teses de Barthes – entrou-lhes pelos olhos dentro mal lá chegaram. No paredão de granito junto ao mercado, um miúdo – que, a época, ainda não tinha lugar na escola –, de cócoras, agitava com um pau algo que lhe captara a atenção numa pequena poça de água. O repórter-fotográfico já estava a imaginar a foto impressa a preto e branco, o jovem acocorado, cabisbaixo, enquadrado no cenário do rio indiferente com uma vista parcial do tabuleiro inferior da ponte Luiz I no canto esquerdo. A máquina disparou por diversas vezes e o repórter fez-se ao motivo da reportagem, o miúdo. Sempre de olhos no chão, a mexer e a remexer na poça de água, o miúdo não mudou de posição. De cócoras e concentrado no pau e no que lhe atraía a atenção, fosse lá o que fosse.
O repórter avançou determinado. Mentalmente também já imaginava uma prosa de ligeiras tintas neo-realistas, Barthes a pular nas meninges, e, porque não?, gritar na “azert” a revolta que lhe ia na alma contra as injustiças sociais que o Portugal ainda sem democracia gerava e alimentava. E, sem delongas, disparou: “Olha lá, quando fores grande o que é que queres ser?
”Sempre de olhos no chão, o miúdo não mudou de posição, manteve-se de cócoras e concentrado no pau e no que lhe atraía a atenção. O seu mundo tinha a distância que separava os olhos da poça de água em que remexia. E seguro de si, fulminou:
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