quinta-feira, janeiro 26, 2012

De cócoras em troca de um prato de lentilhas

Ninguém pode levar a mal que os jornalistas domesticados deixem de dar voz a quem a não tem se, como acontece em Portugal, isso significar ser assessor do ministro. 


Agora que tanto em matéria de democracia como de liberdade de imprensa (nenhuma existe sem a outra) Cabo Verde está uns bons pontos acima de Portugal, é altura de os donos dos jornalistas lusos e os donos dos donos implementarem as teses de Fernando Lima. 

Recorde-se que as teses do consultor político do Presidente da República, Cavaco Silva, e seu ex-assessor de imprensa, dizem que "uma informação não domesticada constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar". 

Pelos últimos exemplos (RTP e RDP) tudo leva a crer que Miguel Relvas sabe lidar bem com o problema. Creio que para os lados do Governo português a tese reinante é a de que jornalista bom é… jornalista de barriga vazia. 

De qualquer modo, não creio que a liberdade de imprensa seja um problema. Só é preciso que os Jornalistas, seja no Irão, na China, em Portugal ou em Angola percebam que dizer o que pensam ser a verdade é mais de meio caminho andado para a prisão, para o desemprego, para a margem da vida. 

É preciso que saibam que a diferença entre Jornalistas bestiais e Jornalistas bestas é apenas o quero, posso e mando dos donos dos jornalistas e, é claro, dos donos dos donos. 

Percebida essa regra de ouro, tudo é mais fácil. Os cargos e os correspondentes ordenados estão em linha directa com as colunas vertebrais amovíveis. Portanto, ser jornalista é fácil e até pode dar milhões. Basta, entre outras regras, baixar as calcinhas... 

No Irão, há dois anos, Bahman Ahmadi Amoui, editor do jornal económico “Sarmayeh” e crítico das estratégias económicas do presidente Mahmoud Ahmadinejad, foi condenado a sete anos e quatro meses de prisão, acrescidos de 34 chicotadas. 

E ainda se queixam os Jornalistas, alguns, do que se passa em Portugal. Já viram o que era apanhar umas tantas chibatadas por ordem dos mercenários que tomaram conta de alguns dos estaminés? 

E pelo andar do reino esclavagista do Relves e Coelho, entre outros, os gulags, apesar das denúncias de, por exemplo, Alexander Soljenitsin, continuam a existir, tantas vezes dentro das próprias redacções que, cada vez mais, funcionam como meros entrepostos dos partidos. 

Na China, a 28 de Dezembro de 2009 as autoridades condenaram a seis anos de prisão o realizador tibetano Dhondup Wangchen, por ter filmado entrevistas com tibetanos para um documentário chamado “Leaving Fear Behind” (Deixar o Medo para Trás). 

Pois é. Há muito que, no caso de Portugal, chegou a altura dos jornalistas perguntarem não o que o regime esclavagista pode fazer por eles mas, antes, o que eles podem fazer pelo regime. 

E o que podem fazer é serem veículos transmissores e reprodutores das verdades oficiais, tipo Fátima Campos Ferreira no programa publicitário da RTP transmitido de Luanda sob a capa de informação. Se o fizerem terão a vida, uma boa vida, garantida. 

Sendo que muitos deles até dão o mataco como prova de fidelidade, não custa a crer que estejam no bom caminho. 

Os jornalistas sabem que é melhor estar de cócoras e ter um prato de lentilhas, do que estar erecto mas de barriga vazia. Sabem que é preferível serem criados do poder e ter dinheiro para pagar ao merceeiro, do que serem honrados profissionais e andarem a mendigar nas esquinas da vida. 

O actual governo conseguiu, sem grande esforço e em muitos casos apenas por um prato de lentilhas, convencer os jornalistas que devem pensar apenas com a cabeça... do chefe, mostrar aos Jornalistas que ter um cartão do PSD é mais do que meio caminho andado para ser chefe, director ou até administrador. 

Miguel Relvas tem razão quando calcula que, com mais meia dúzia de lentilhas, os jornalistas que ontem eram do PS passaram hoje a ser do PSD. 

E se amanhã voltarem ao PS, nada de mal acontecerá. Portugal é uma gamela onde têm lugar cativo todos os que, como diz Pedro Rosa Mendes, “vivem dobrados em democracia”. E as gamelas não estão longe. Ontem a mais concorrida era a do Largo do Rato, hoje é a da Rua de São Caetano. 

É claro que a questão do mérito é facilmente mensurável. Basta ter cartão do partido no poder, não ter coluna vertebral nem tomates. 

Aliás, ninguém pode levar a mal que os jornalistas deixem de dar voz a quem a não tem se, como acontece em Portugal, isso significar ser assessor do ministro.

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