A agência de notícias angolana, ANGOP, anunciou há dias que o Tribunal Supremo, que faz as vezes de Tribunal Constitucional da República de Angola, havia arquivado 19 processos de formações políticas, dos 127 que deram entrada para a devida legalização. Aquela instância jurídica alega que as formações políticas excluídas do processo eleitoral não reuniam os “requisitos exigidos pela própria lei dos partidos políticos, bem como por se ter constatado algumas infracções”.
Estas, segundo o juíz-presidente do Tribunal Supremo angolano, incluíam “datas contraditórias” e “assinaturas duvidosas”, constatando-se “em alguns processos conluio entre as formações políticas interessadas e um grupo de funcionários do Tribunal.”
Em especial para o «Canal de Moçambique», Orlando Castro comenta estes últimos desenvolvimentos no país irmão ainda na senda da democratização:
Costuma-se dizer que em Angola, um pouco à semelhança da maioria das supostas democracias africanas, existem mais partidos do que mães. Foram invalidadas 19 das 127 candidaturas, mas é bem provável que sejam muitos mais os partidos que de jure não poderão concorrer, tal é o amálgama de falhas, vigarices e corrupções que rodeiam todos estes processos.
Aliás, o Supremo Tribunal fala de infracções e violações da dita lei dos partidos sendo que ela própria, à luz do Direito Internacional, enferma de múltiplas ilegalidades concebidas de forma deliberada para perpetuar em Angola um sistema político bipolar. Isto é, arranjar maneira supostamente legal de abrir as portas do poder apenas a dois grandes partidos, o MPLA e a UNITA.
Embora a UNITA se tenha aliado à onça para tentar derrotar o chacal, um dia destes verá que depois de vencer o chacal a onça a vai comer. Ou seja, deu cobertura legal (parlamentar) a uma lei que acabará por só beneficiar quem já está no poder, em detrimento de outras forças que, coligadas ou não, poderiam ser alternativas válidas.
Dos 19 agora eliminados, bem como de mais uma série deles que acabarão por ser postos fora da carroça, alguns até têm – pelo menos aparentemente – todo o processo jurídico-institucional documentado, registado, conferido e validado.
Os processos apresentam algumas dúvidas, incorrecções, imprecisões e mais uma série de outras conclusões oportunamente apresentadas pelo presidente do Tribunal.
Do ponto de vista estritamente jurídico e dando como válida a lei actual, creio que nenhum partido, incluindo o MPLA e a UNITA, passariam num crivo de legalidade. Acontece, contudo, que para legitimar a força e as prerrogativas dos mais poderosos, o Supremo Tribunal tem de mostrar serviço à custa dos mais pequenos.
A estratégia funciona. Do ponto de vista interno não haverá grandes ondas porque os pequenos partidos têm pouca força reivindicativa e dificilmente se aventuram num recurso que só seria dirimido depois das eleições. Do ponto de vista externo, a comunidade internacional fica satisfeita porque até pode dizer que Angola já é um Estado de direito.
Dizer-se, por exemplo, que muitos dos processos tinham assinaturas duvidosas é atentar contra um povo que viveu dezenas de anos de guerra, que só dela saiu há cinco anos e que tem na sobrevivência, e não na escolaridade, a sua maior – ou até única – preocupação.
Ao que parece sem cobertura política, o presidente do Supremo Tribunal, Cristiano André, terá deixado a língua fugir para a verdade numa afirmação que lhe poderá custar o lugar. Disse que alguns partidos teriam conseguido a legalização através da falsificação da assinatura do presidente do Tribunal Constitucional, o que teria sido conseguido pelo suborno de altos funcionários do Tribunal.
O caricato de tudo pode ainda ver-se no facto de que esta legislação, embora retocada nos últimos anos em função das prometidas e eventuais eleições, remonta a 1990, altura em que supostamente se iniciou o multipartidarismo.
Em conclusão: A grande, diria esmagadora, maioria dos partidos vai ser ilegalizada, ficando meia dúzia deles para ornamentar o arranjo floral supostamente democrático em que a maioria, também esmagadora, dos lugares do Parlamento ficará nas mãos do MPLA e da UNITA.
Texto publicado no Canal de Moçambique
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