quarta-feira, dezembro 28, 2011

Monangambé do reino lusitano

Aquele reino lusitano
continua a não ter chuva
é o suor de outros rostos
que rega as plantações;

 Aquele reino lusitano
deixou de ter café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas de outro sangue
feitas seiva.

 Um reino já sem cravos,
pisado, torturado
e cada vez mais pálido
como a cor dos escravos.

 Pálido da cor dos escravos!
 Perguntem às aves que já não cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:
Quem se levanta cedo?
Quem vai à miséria?
Quem traz pela estrada térrea
a sacola cheia de fome?

 Quem trabalha e em paga
recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, alguns euros
e porrada se refilares?

 Quem?
Quem faz o governo mamar
e os ricaços florescer?

- Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de outros escravos
para aumentar os lucros?

 Quem faz o governo prosperar,
ter barriga grande,
ter dinheiro?

 - Quem?
 E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

 - "Monangambééé..."

 Ah! Deixem-me ao menos
subir às tascas da vida.
Deixem-me beber até cair
e esquecer diluído
nas minhas bebedeiras.


Nota: Poema original, aqui tão mal tratado, de António Jacinto. Monangambé (o contratado, o escravo) eram angolanos negros contratados para trabalhar nas roças dos brancos, na era colonial. Hoje são portugueses brancos contratados para trabalhar nas “roças” dos brancos donos do poder.

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