Pedro Passos Coelho foi a Luanda e disse, claro, que Portugal está aberto a discutir e a analisar a situação da Guiné-Equatorial, que, segundo ele, tem uma importância muito relevante para a língua portuguesa.
Hoje foi a vez do ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, defender em Maputo que a CPLP deve estar “aberta a todos".
“Temos todas as condições e todos nós temos que valorizar mais a CPLP do que aquilo que fizemos”, afirmou, lembrando que é preciso pôr os instrumentos disponíveis “ao serviço dos nossos povos, da nossa economia e cultura”. “A questão cultural tem que estar sempre presente, pois, é o que nos une”, disse.
E vivam os ditadores. Como sabem todos aqueles que para contar até 12 não têm de se descalçar (no Governo português parece que não há nenhum), um dos princípios da CPLP diz que a organização pugna pelo “primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”.
Como se sabe (se calhar o governo de Lisboa não sabe) a Guiné-Equatorial é independente desde 12 de Outubro de 1968 e tem como presidente, desde 3 de Agosto de 1979, Teodoro Obiang Nguema, certamente – como Eduardo dos Santos – um líder carismático… enquanto estiver no poder.
Embora seja um dos mais infames ditadores mundiais, Obiang esteve quase a conseguir patrocinar um prémio atribuído pela UNESCO. Este é um caso, pelo menos até agora, que demonstra a existência de ditadores bons e maus, bestiais e bestas. Portugal considera-o na lista dos bons, tal como Muammar Kadafi.
É, aliás, o que se passa em relação a Angola cujo presidente, não eleito, está no poder há 32 anos e que, além disso, o seu regime (no poder desde 1975) preside à CPLP.
Obiang, que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, tem sido acusado (tal como o seu homólogo angolano) de manipular as eleições e de ser altamente corrupto, tal como o que se passa em Angola.
Obiang, que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como em Angola, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
Gozando, como todos os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à grande e à francesa quando um tribunal... francês rejeitou um processo que lhe fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo - os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.
Os vastos proventos que a Guiné-Equatorial recebe da exploração do petróleo e do gás natural poderiam dar uma vida melhor aos 600 mil habitantes dessa antiga colónia espanhola, mas a verdade é que a maior parte deles vive abaixo da linha de pobreza. Em Angola são 70% os pobres...
Para além de se saber que a força da Guiné Equatorial está no petróleo, se calhar sabe bem a alguns países lusófonos ser enganados por mentiras que tentam ser pela insistência uma verdade. Daí o gostarem de ver este país integrar a CPLP.
Quando questionado sobre se concordava com a adesão à CPLP de um país que é referenciado pelas organizações internacionais no que respeita à violação dos direitos humanos, o presidente moçambicano, Armando Guebuza, disse acreditar que a Guiné-Equatorial vai "fazer tudo para se conformar com aquilo que são as normas na CPLP".
Normas de quê? De quem? Da CPLP? Mentir é uma coisa, gozar a inteligência dos outros é outra, por sinal bem diferente, concordem ou não José Eduardo dos Santos, Armando Guebuza, Passos Coelho, Miguel Relvas ou Cavaco Silva.
Verdade é que ninguém se atreve a perguntar a Passos Coelho, ou ao seu líder Miguel Relvas (será ao contrário?), se acha que Angola respeita os direitos humanos ou se é possível que a presidência da CPLP seja ocupada por um país cujo presidente, José Eduardo dos Santos, no poder há 32 anos, não foi eleito.
Essa é, aliás, uma questão menor. Ou não fosse o MPLA dono de Angola, ou não fosse Angola a potência petrolífera que é, para além de ser o primeiro mercado importador de bens portugueses fora da Europa, tendo já passado os EUA.
A verdade, incómoda para os donos do poder, seja em Portugal, Moçambique ou Angola, é que a CPLP está a ser utilizada de forma descarada para fins comerciais e económicos, de modo a que empresas portuguesas, angolanas e brasileiras tenham caminho livre para entrar nos novos membros, caso da Guiné-Equatorial.
Reconheça-se, contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné-Equatorial preenche todas as regras para entrar de pleno e total direito na CPLP. Não sabe o que é democracia mas, por outro lado, tem fartura de petróleo, o que é condição sine qua non para comprar o que bem entender.
Há quem defenda, certamente à revelia dos mais altos interesses petrolíferos, que o caso da Guiné Equatorial deveria ser alvo de uma reflexão mais profunda. Não se vê para quê.
A Amnistia Internaciona (AI) diz que no país do Presidente Teodoro Obiang ainda se registam “vários casos de detenções e reclusões arbitrárias por motivos políticos”, que normalmente ocorrem “sem que a culpa dos detidos seja formada e formalizada”, e sem que haja “um julgamento justo”.
“Tais práticas não constituem apenas violação dos padrões internacionais de Direitos Humanos aplicáveis às regras processuais policiais, penais e jurisdicionais, mas constituem também forma grave de restrição à liberdade de expressão”, afirma a AI.
As “fortes restrições à liberdade de expressão, associação e manifestação”, os “desaparecimentos forçados de opositores ao Governo”, os “desalojamentos forçados” e a existência de “tortura e outros maus tratos perpetrados pelas forças policiais” são outras das preocupações expressas pela AI referentes a Angola... perdão, referentes à Guiné-Equatorial.
Não se tivesse a certeza que a AI estava a falar da Guiné-Equatorial (formalmente é uma democracia constitucional) e, com extrema facilidade, todos pensariam que estaria a fazer o retrato do reino de José Eduardo dos Santos.
Por outro lado, a AI destaca que “60 por cento” da população da Guiné-Equatorial vive “abaixo do limiar da pobreza”, ou seja, com “menos de um dólar americano por dia”, apesar dos “elevados níveis de crescimento económico do país, da elevada produção de petróleo e de ser um dos países com o rendimento per capita mais elevado do mundo”.
Tal como o seu homólogo angolano, Teodoro Obiang quando fala de princípios democráticos bate aos pontos, entre muitos outros, Jean-Bédel Bokassa, Idi Amin Dada, Mobutu Sese Seko, Robert Mugabe ou Muammar Kadafi.
Atente-se, contudo, no que diz o moçambicano Tomaz Salomão, secretário executivo da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral): "São ditadores, mas pronto, paciência... são as pessoas que estão lá. E os critérios da liderança da organização não obrigam à realização de eleições democráticas”.
Está tudo dito!
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