A Liga Guineense dos Direitos Humanos da Guiné-Bissau disse hoje que elementos da Polícia de Intervenção Rápida "abateram friamente" o major Iaia Dabó quando este se entregou voluntariamente na corporação, na sequência do conflito militar, da passada segunda-feira, pelo qual era procurado.
Não fosse o facto de que os que já morreram não podem morrer outra vez, dir-se-ia que tudo continua na mesma. Ou seja, a caminho do fim.
No mundo parece haver quem acredite que é possível que as Forças Armadas se submetam ao poder político. Essa é, aliás, uma boa tese quando defendida nos areópagos, bem alimentados e bebidos, da política internacional em geral ou, ainda, na lusófona em particular.
Essa coisa, misto de nada com coisa nenhuma, que dá pelo nome de CPLP sabe bem que a força da razão dos políticos (de alguns, pelo menos) nunca conseguirá vencer a razão da força dos militares.
Quem nasceu no meio de tiros, cresceu no meio de tiros só tem como objectivo morrer no meio de tiros. Na Guiné-Bissau todos os avisos resvalam na petrificada couraça dos militares para quem a lei só tem um nome: Kalashnikov.
Em Junho do ano passado, um comunicado da Embaixada norte-americana em Dacar, Senegal, dizia que “é impossível para os EUA contribuir para o processo de reforma da segurança e da defesa se essas pessoas, ou outros implicados no tráfico de estupefacientes, forem nomeados ou permanecerem em postos de responsabilidade nas Forças Armadas”.
Washington foi mais longe ao sublinhar que era “imperativo” que o chefe das Forças Armadas não estivesse “implicado nos acontecimentos de 1 de Abril”, evocando implicitamente o major-general António Indjai.
Posição idêntica à dos EUA tinha sido defendida pela União Europeia, cujos representantes em Bissau boicotaram até uma conferência de sensibilização para a reforma daquele sector organizada pela ONU e pelo governo guineense.
Quanto à CPLP, cuja presidência está nas mãos do democrata, não eleito e há 32 anos no poder, José Eduardo dos Santos, continua de bico calado para ver se ninguém dá por ela.
Tudo isto é, afinal, a reedição de um filme já gasto de tanto ser usado, seja nos “cinemas” de Lisboa ou de Luanda. Vão mudando, por fuga, morte ou prisão, os protagonistas principais, mas o argumento é sempre o mesmo. Também a assistência (CPLP e companhia) é sempre a mesma.
Recordam-se que a morte de Hélder Proença e Baciro Dabó (irmão do major agora abatido) teria resultado dum tiroteio que se seguiu à resistência demonstrada por eles quando as forças da ordem, alegadamente, pretendiam detê-los pela sua suposta implicação na intentona?
Recordam-se que Kumba Ialá disse que "o senhor primeiro-ministro vai ter de explicar ao povo da Guiné-Bissau quem matou Hélder Proença, Baciro Dabó, Tagmé Na Waié e o general João Bernardo Nino Vieira. Catorze pessoas que morreram durante o seu mandato"?
Recordam-se que na Guiné-Bissau nenhum candidato, nenhum presidente acabou o seu mandato e em 16 anos o país já teve seis presidentes?
A democracia que faz brilhar os olhos dos bem nutridos dirigentes da CPLP tem destas coisas. Ou se é favor de quem está no poder ou, é claro, vai-se para a choldra. Ou se é a favor ou choca-se com uma bala perdida.
Recordam-se que o coronel Antero João Correia, antigo comandante-geral da Polícia, teria sido detido por ordens do então interino chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Zamora Induta, depois de se recusar a assinar o comunicado do SIE (Serviços de Informação do Estado) que anunciava a neutralização da alegada tentativa de golpe de Estado?
Recordam-se que esta recusa teria obrigado os mentores do plano a confiar a assinatura do documento ao director-geral adjunto dos SIE, coronel Samba Djaló, que foi apontado como uma pessoa "muito próxima" (pudera!) de Zamora Induta e seu representante a nível do Ministério do Interior que tutela os SIE?
Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional, continuam pouco ou nada preocupados com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser.
E essa forma (desculpem estar há anos a dizer sempre o mesmo) é usar, não um enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK-47. E enquanto assim for...
É que dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade. A esperança de vida à nascença para um guineense é de "apenas" de 45 anos, atendendo à fragilidade humana, sobretudo por causa da fraca cobertura dos serviços sociais.
Será que os dirigentes da Guiné-Bissau, da CPLP e similares se lembram que enquanto saboreiam várias refeições por dia, ali ao lado há gente que foi gerada com fome, nasceu com fome e morre com fome?
Será que os dirigentes da Guiné-Bissau, bem como essa coisa que dá pelo nome de CPLP, se lembram que não é possível enganar toda a gente durante todo o tempo?
E, mesmo famintos, ainda sobra força aos guineenses para, ontem como hoje e certamente amanhã, fazerem o que já começa a ser um hábito: puxar o gatilho.
E assim se vai escrevendo a história do princípio daquilo que pode ser o fim da Guiné-Bissau. Realidade que não preocupa todos aqueles que vão continuando a cantar e a rir, levados, levados sim, por interesses pouco claros, sejam do narcotráfico propriamente dito ou não.
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