Em Portugal há muita gente, cada vez mais gente, que nem sabe se tem barriga. Mário Soares sabe que isso é verdade, mas Cavaco Silva ainda vai na fase da “insuficiência alimentar”.
O ex-Presidente da República e líder histórico do PS, Mário Soares, admite que Portugal nunca viveu “uma crise tão grave como a actual” e alerta que a democracia “pode vir a ser posta em causa”.
Vá lá. Tardou mas Mário Soares conseguiu dizer alguma coisa de útil. Há mais de um ano e meio que aqui (onde mais poderia ser?) escrevi que em Portugal havia cada vez mais gente que trocava de bom grado as liberdades e as garantias por um prato de comida. Acrescentava que disso não se lembravam os que têm três, pelo menos, refeições por dia.
E termina esse texto dizendo: E depois venham dizer que a democracia está em perigo...
Agora veio Mário Soares dizer o mesmo num aviso deixado no livro “Um político assume-se”, uma “espécie de autobiografia política e ideológica”, e não memórias, como faz questão de assinalar no prefácio o fundador do PS e presidente da República durante dez anos (1986-1996).
“Estou extremamente preocupado quanto ao futuro do meu país, onde desejo morrer”, escreve Mário Soares, de 86 anos de idade, no último dos 15 capítulos que compõem o livro, intitulado “E Agora?”.
Nunca como antes, escreve, o país viveu “uma crise tão grave”, nem estiveram tão em causa as “conquistas sociais” da Revolução dos Cravos: “O Serviço Nacional de Saúde, as pensões sociais, a dignidade do trabalho, a tendencial gratuitidade do ensino”.
“Tudo isto pode estar em jogo de perder-se, mas também é a própria democracia que pode vir a ser posta em causa, dadas as exigências dos mercados especulativos e desregulados e a dependência que deles tem a comunicação social”, alerta.
Mário Soares vai lançar o livro “Um político assume-se - Ensaio político e ideológico”, editado pela Temas&Debates, do Círculo de Leitores, no próximo dia 30, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Também por aqui se tem dito que há 40% de portugueses que olham para os pratos vazios, 800 mil desempregados que desesperam nos córregos sinuosos da sobrevivência e que, no seu conjunto, não são, digo eu, um exemplo de um país democrático.
Aliás, tal como em muitos outros países, um dia destes os portugueses vão optar mesmo por uma ditadura de barriga cheia do que por uma democracia com ela a dar horas num relógio que já foi posto no prego.
Em Portugal, importa dizê-lo, há uma permanente “greve” de fome feita pelos tais 40% de pobres, mas de forma involuntária, sem qualquer tipo de protesto. São, aliás, cada vez mais os milhões que têm pouco ou nada e que, por sinal, vivem no mesmo país de poucos que cada vez têm mais milhões.
Um dia destes os portugueses vão utilizar os meios à sua disposição. E como, por experiência diária, sabem que passar fome nada resolve, talvez optem por medidas mais radicais. E se tiverem de morrer, ao menos que morram de barriga cheia.
E, como se não bastasse estarem a aprender a viver sem comer, ainda têm de gramar com as teorias do actual presidente da República, Cavaco Silva, que o máximo que consegue dizer é que existe “insuficiência alimentar”.
Dizer a quem passa fome que apenas padece de "insuficiência alimentar" é, digamos, uma poética forma de juntar à barriga vazia dos portugueses um atestado, em papel timbrado da Presidência da República, de menoridade ou estupidez.
Consta, aliás, que Cavaco Silva (que em termos vitalícios só tem direito a 4.152 euros do Banco de Portugal, a 2.328 euros da Universidade Nova de Lisboa e a 2.876 euros de primeiro-ministro) terá até decido que, por solidariedade com os que sofrem de “Insuficiência alimentar”, vai passar a fazer greve de fome… entre as refeições.
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