Rafael Marques de Morais, nos termos da Constituição de Angola (art. N.º 73), apresentou à Procuradoria-Geral Queixa Crime contra sete generais angolanos.
Por alegada prática de tortura, violação dos direitos humanos e corrupção na Região Diamantífera das Lundas, a queixa visa designadamente os generais: Hélder Manuel Vieira Dias Júnior; Carlos Alberto Hendrick Vaal da Silva; Armando da Cruz Neto, Adriano Makevela; João de Matos; Luís Faceira e António Faceira.
«QUEIXA-CRIME
Contra:
1º OS SÓCIOS DA SOCIEDADE LUMANHE – EXTRACÇÃO MINEIRA, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO, LIMITADA (cfr. DR, III Série, nº 33, 2004), Rua Comandante Dangereux, n.º 130, Luanda:
A) GENERAL HÉLDER MANUEL VIEIRA DIAS JÚNIOR “Kopelipa”, Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República;
B) GENERAL CARLOS ALBERTO HENDRICK VAAL DA SILVA, Inspector-Geral do Estado-Maior General das FAA;
C) GENERAL ARMANDO DA CRUZ NETO, governador de Benguela e ex-chefe do Estado Maior-General das FAA;
D) GENERAL ADRIANO MAKEVELA, Chefe da Direcção Principal de Preparação de Tropas e Ensino das FAA;
E) GENERAL JOÃO BAPTISTA DE MATOS, ex-chefe do Estado Maior-General das FAA;
F) GENERAL LUÍS PEREIRA FACEIRA, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército das FAA;
G) GENERAL ANTÓNIO PEREIRA FACEIRA, ex-chefe da Divisão de Comandos;
2º OS GESTORES E REPRESENTANTES DOS SÓCIOS DA SOCIEDADE ITM-MINING LIMITED, com sede em Corner House, 20, Parliament Street, Hamilton HM 12, Bermudas, e escritório de representação em Angola na Rua Joaquim Kapango, nº 19-B, r/c, Luanda.
A) RENATO HERCULANO TEIXEIRA, director e presidente;
B) ANDREW JOHN SMITH, director e vice-presidente;
C) SÉRGIO EDUARDO MONTEIRO DA COSTA, director;
D) HELEN M. FORREST, directora
E) NADINE H. FRANCIS, directora
3º OS SÓCIOS DA SOCIEDADE TELESERVICE – SOCIEDADE DE TELECOMUNICAÇÕES, SEGURANÇA E SERVIÇOS, Avenida 4 de Fevereiro nº 208 1º Esq, Luanda:
A) GENERAL ANTÓNIO DOS SANTOS FRANÇA “NDALU” (res.), Presidente da De Beers Angola, ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA [1992];
B) GENERAL JOÃO BAPTISTA DE MATOS (res.), ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA [1992-2001];
C) GENERAL LUÍS PEREIRA FACEIRA (res.), ex-Chefe do Estado-Maior do Exército, FAA;
D) GENERAL ANTÓNIO EMÍLIO FACEIRA (res.) ex-Chefe dos Comandos, FAA;
E) GENERAL ARMANDO DA CRUZ NETO (res.), governador da província de Benguela, ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA [2001-2002];
F) GENERAL PAULO PFLUGER BARRETO LARA (res.), ex-Chefe da Direcção Principal de Planeamento e Organização do Estado Maior-General das FAA;
G) JOSÉ PEDRO FERNANDES DA SILVA
H) JOSÉ CARLOS DE SOUSA FIGUEIREDO
4º O DIRECTOR GERAL DA SOCIEDADE TELESERVICE – SOCIEDADE DE TELECOMUNICAÇÕES, SEGURANÇA E SERVIÇOS, VALENTIM MUACHALECA, Avenida 4 de Fevereiro nº 208 1º Esq, Luanda.
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O Denunciante tem realizado de forma regular, desde 2004, pesquisa e monitoria sobre a violação sistemática dos direitos humanos e actos conexos de corrupção, na região diamantífera das Lundas, em particular nos municípios do Cuango e Xá-Muteba.
2. A 15 de Setembro de 2011, o Denunciante apresentou publicamente o livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola [ISBN 978-989-671-085-9] (Livro que se junta como DOCUMENTO N.º 1 e para o qual aqui se remete e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
3. No mencionado Livro, o Denunciante descreve a centralidade do consórcio que forma a Sociedade Mineira do Cuango (SMC) em actos quotidianos de tortura e, com frequência, de homicídio que configurarão a prática de crimes contra a humanidade (cfr. Const. Art. 61º) contra as populações radicadas em ambos municípios e garimpeiros.
4. Mais se descreve no mencionado livro que a empresa privada de segurança TELESERVICE, contratada pela SMC, para protecção da área de concessão, tem sido a executora de tais actos.
5. Os 1ºS DENUNCIADOS são titulares de quotas idênticas (de 21%) representativas do capital social da Sociedade Mineira do Cuango (cfr. Decreto Executivo n.º 54/03 do Ministro da Geologia referente à constituição da SMC e contrato de exploração – DR, I Série, n.º 74, 2003).
6. Ao abrigo do Contrato de Exploração (ibid., Art. n.º 14, b) a LUMANHE é responsável, ao nível da SMC, pelo asseguramento da relação “com a comunidade local, contribuindo para a estabilidade social e o desenvolvimento harmonioso do Projecto na Área de Contrato” e assume a gestão de logística e segurança (http://www.cuango-sociedademineira.com/html/estado_actual.html ).
7. Pela factualidade descrita no DOCUMENTO N.º 1, os 1ºS DENUNCIADOS devem ser investigados por indícios de agência dos crimes (Arts. n.º 19º, 20º, 2º do Código Penal) conforme descrição ilustrativa de casos de homicídio e tortura (a folhas 169 a 211 do livro em anexo), pois o Código Penal (ibid.) define a autoria moral de um crime por abuso de autoridade ou de poder.
8. Mais, os 1ºS DENUNCIADOS, sobretudo os que se encontram no activo, têm usado o seu poder institucional para dar cobertura, por acção ou omissão, ao poder arbitrário que a Sociedade Mineira do Cuango exerce na região.
9. Por sua vez, a Constituição da República de Angola (Art. 61º, a) remete para a Lei Penal Internacional a definição e interpretação dos crimes contra a humanidade.
10. O Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional (TPI), define como crimes contra a humanidade (Art. n.º 7º, 1º, a, e, f, 2º, a, e,) os actos generalizados ou sistemáticos de homicídio, sérias privações de liberdade, em violação das regras fundamentais do direito internacional, e a tortura contra qualquer população civil de que se tenha conhecimento.
11. O Estado Angolano é signatário do TPI desde 7 de Outubro de 1998, tendo reafirmado o seu compromisso voluntário em ratificá-lo, a 3 de Maio de 2007, na sua bem-sucedida candidatura a um assento no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (cfr. www.upr-info.org/IMG/pdf/angola_pledge_2007.pdf). Na sua recandidatura ao referido Conselho (2010-2013) Angola reiteirou, mais uma vez, a 5 de Maio de 2010, o seu compromisso voluntário em acelerar o processo de ratificação da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (cfr. www.unelections.org/.../GA_(A.64.775)AngolaHRCCandi_7May10.pdf ).
12. OS 2ºS DENUNCIADOS são accionistas da SMC (38%) e operadora do projecto, assumindo assim responsabilidade directa na instrução das medidas de segurança na área de concessão, cujas consequências dão lugar a presente queixa-crime.
13. Os 3ºS DENUNCIADOS são os sócios da sociedade TELESERVICE, empresa privada de segurança contratada para prestação de serviços à Sociedade Mineira do Cuango, sendo executora directa dos actos de violência ora expostos.
14. Por força dos seus estatutos (DR, III Série, nº 33, 1994), os sócios da TELESERVICE constituem entre si, ou representados por cônjuge, descendentes ou ascendentes directos, a Assembleia-Geral e o Conselho de Administração (Arts. nº 9º, 12º, 13º), que são os órgãos decisores.
15. Como principais beneficiários dos lucros derivados da exploração de diamantes, por via da concessão atribuída à SMC, os DENUNCIADOS sempre tiveram conhecimento dos actos generalizados e sistemáticos de violação dos direitos humanos na região.
16. Em 2005, publicou-se o relatório “Lundas: As Pedras da Morte”, sobre o mesmo assunto.
17. Ao tempo desta publicação, a Polícia Nacional, que também era denunciada como parte do problema, tomou uma série de medidas que, desde então, tem prevenido o envolvimento dos seus agentes em actos hediondos e usado mecanismos institucionais e legais para disciplinar ou punir os agentes que os cometam.
18. O relatório subsequente “Operação Kissonde: os Diamantes da Miséria e da Humilhação”, de 2006, relatou a prevalência quotidiana de actos de homicídio, tortura, espoliação, trabalhos directamente executados pela Teleservice, Alfa-5 e K&P Mineira, empresas privadas de segurança contratadas, respectivamente, pela SMC, Sociedade de Desenvolvimento Mineiro e Luminas, todas a operar na mesma região.
Por sugestão da Polícia Nacional, a 1 de Abril de 2006, durante a recolha de testemunhos, para a elaboração do referido relatório, o Denunciante apresentou uma queixa-crime contra os 3ºs DENUNCIADOS na Secção de Investigação Criminal de Cafunfo, onde voltou a comparecer a 11 de Abril de 2006 para a prestação de mais depoimentos.
19. O terceiro relatório, “Angola: A Colheita da Fome nas Áreas Diamantíferas”, veio a público em 2008 e, no processo de elaboração de todos estes relatórios, todas as relevantes entidades, oficiais e privadas têm sido contactadas e têm recebido casos ilustrativos para a tomada de medidas, independente da publicação dos relatórios.
20. A factualidade descrita no Livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, que aqui se dá por integralmente reproduzida, (bem como a factualidade descrita nos três relatórios acima mencionados) configura a prática, por todos os Denunciados, de vários ilícitos criminais previstos e punidos pelo Código Penal Angolano.
21. As condutas criminosas descritas foram praticadas pelos Denunciados de modo doloso, intencional e consciente, bem sabendo os seus agentes que as mencionadas condutas são punidas por lei.
22. Certo é também que os factos descritos no Livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola continuam, na presente data, a ser praticados pelos Denunciados.
Nestes termos e nos melhores de Direito,
Requer-se a V.ª Ex.ª se digne instaurar o competente procedimento criminal e ordenar a abertura de inquérito para investigação e apuramento da prática, pelos Denunciados, dos factos criminosos descritos no Livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola.
O denunciante manifesta, desde já, a sua intenção de se constituir assistente, bem como de deduzir os competentes pedidos de indemnização civil.
Prova Testemunhal (a notificar através do Denunciante):
1. Linda Moisés da Rosa, 2. Alberto dos Santos Sombo, 3. Dimukeno Óscar Cabral, 4. Djelson Tiago, 5. Ernesto Cassule Waribita, 6. James Almeida Manuel, 7. Jordan Muacabinza, 8. Nelito Diauana Cacone, 9. Novais Américo Samulanguica, 10. Romeu Txabua Luzolo.»
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