O Presidente moçambicano, Armando Guebuza, está em Lisboa para a primeira Cimeira Luso-Moçambicana, com o objectivo de reforçar a relação entre os dois países.
Acompanham Guebuza os ministros dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Baloi, dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, da Energia, Salvador Namburete, e das Obras Públicas, Cadmiel Muthemba.
Armando Guebuza reúne-se amanhã, no Palácio de Belém, com o seu homólogo português, Aníbal Cavaco Silva, dia em que haverá reuniões sectoriais entre os ministros moçambicanos das Finanças, Negócios Estrangeiros e Economia, e os seus homólogos portugueses.
Durante a permanência da delegação moçambicana em Lisboa, será oficializada a entrada da REN no capital da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, adquirindo metade dos 15% que Portugal ainda detém, segundo disse à Lusa uma fonte ligada ao processo.
Como sempre, não vão faltar rasgados panegíricos a Armando Guebuza. Portugal tem, aliás, um protótipo de discursos encomiásticos em que só se alteram os nomes dos protagonistas.
No caso presente, basta substituir o “líder carismáticos” da Líbia, Muammar Kadafi, pelo do presidente de Moçambique. É simples, é eficiente e permite a Portugal estar sempre de bem com todos, mesmo quando estes não passam de umas bestas. Isto porque, como todos sabem, qualquer besta enquanto estiver no poder é bestial.
Sobre Armando Guebuza, leia-se o que escreveu Carlos Cardoso (Jornalistas moçambicano assassinado a 22 de Novembro de 2000) no “Metical” de 15 de Julho de 1997:
“Via Ripua, mais uma vez passamos a conhecer assuntos intestinais do partido Frelimo, discutidos, em surdina lá dentro. Desta vez, é a sucessão de Chissano. Ripua quer Guebuza.
Já o tinha proposto Primeiro-Ministro. Na nossa opinião Guebuza não. O nosso parecer assenta em dois factores:
1. As pessoas têm medo de Guebuza; 2. Ele foi, talvez por uma razão de causa e efeito o primeiro factor, um dos ministros mais incompetentes a passar pela governação da Frelimo. Onde tocou, estragou.
Vamos à questão do medo.
É verdade que Chissano tem gerido a presidência com grau de hesitação, por vezes prejudicial para o país. Mas com ele na presidência desde 1986, Moçambique foi praticando níveis de liberdade de expressão. E hoje está bem evidente quanto melhorou na governação a pauta aduaneira por exemplo, fruto do uso crescente dessa liberdade.
Via debate, o país foi encurtando o caminho para consensos e assim se arranjaram algumas soluções.
Moçambique precisa, pois, de um presidente, cuja personalidade, ainda que menos hesitante do que a de Chissano seja pelo menos tão aberta ao diálogo como a dele. Guebuza tem sido o contrário disso. As pessoas calam-se por causa dele. Não tem nem um décimo da postura de Chissano no tocante a aceitação de crítica contra ele.
A governação do país ficaria seriamente prejudicada com um presidente inspirador de temor e revolta entre os cidadãos.
Em segundo, mas não menos importante, lugar, a questão da incompetência. Armando Guebuza tem sido mau gestor da coisa pública.
Como Governador de Sofala pôs em perigo o relacionamento com Portugal.
Como ministro do Interior, adoptou para a operação produção, um método que anulou qualquer hipótese para a concretização das intenções que lhe deram vida (pese as responsabilidades do presidente Samora Machel numa conceptualização apressada do programa).
E nos transportes Guebuza cruzou os braços perante o alastramento impetuoso do roubo e da corrupção, levando entre outros males, a uma quebra terrível do tráfego via porto de Maputo e ao desmoronamento quase irreversível da LAM.
No partido Frelimo há outros sucessores possíveis para Chissano, apesar de nenhum deles, depois da morte de Samora Machel, ter defendido o país, contra a pilhagem desenfreada das nossas riquezas, tem no seu CV muitos mais méritos do que Guebuza para o cargo do PR.
Por outras palavras, a transição pós-Chissano pode ser pacífica. Mas, a escolha final é a dos eleitores. Pelo menos enquanto Guebuza não for PR.”
No tempo em que na Comunicação Social portuguesa se fazia Jornalismo, tive a oportunidade de entrevistar Joaquim Chissano, então presidente de Moçambique, e Armando Guebuza, na altura secretário-geral da Frelimo.
Do que a memória registou, ficou-me de Chissano a imagem de um estadista de nível mundial, tão capaz de dialogar com o arrumador de carros como com o secretário-geral da ONU. Era o homem certo no lugar certo, na circunstância a Presidência de Moçambique.
Quanto a Guebuza não ficou a imagem mas, isso sim, a certeza de um político arrogante, sem grande preparação intelectual e que tinha orgulho em demonstrar que a razão da força era a solução para todos os problemas.
A entrevista a Guebuza até nem correu bem porque, provavelmente ao contrário do que estaria habituado, não aceitei fazer as perguntas que um dos seus muitos assessores tinha preparado.
“Assim não dou a entrevista”, disse-me Guebuza, acrescentando: “Eu é que sei o que é importante perguntar”.
Perante a minha recusa, Guebuza acabou por aceitar responder ao que eu quis perguntar, deixando no fim um recado: “Se fosse em Moçambique eu dizia-lhe como era”.
Diria, com certeza. Diria, não diria Carlos Cardoso?
Legenda: Dois velhos amigos: Robert Mugabe e Armando Guebuza
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