Perto de sete mil prisioneiros estão nas mãos dos rebeldes líbios, sem acesso a protecção judicial ou policial, havendo relatos de tortura.
Quem o diz é, apenas, o representante especial do secretário-geral da ONU para a Líbia. Que se saiba não familiar ou amigo a família de Muammar Kadafi.
"É indicativo da diferença de atitude em relação ao regime passado [de Muammar Kadafi] que não há negação de que os direitos humanos são violados e na maioria dos casos é permitido o acesso de organizações internacionais aos campos de detenção", disse Ian Martin, na ONU.
Em relatório apresentado ao Conselho de Segurança, Ian Martin sublinha que um "grande número" dos detidos são africanos da região sub-saariana, "nalguns casos acusados ou suspeitos" de serem mercenários.
"Alguns dos detidos foram alegadamente sujeitos a tortura e a maus-tratos. Foram relatados casos de indivíduos visados pela cor da sua pele e também há registo de mulheres em centros de detenção sem guardas do sexo feminino e sob supervisão masculina, além de crianças detidas com adultos", refere o relatório.
Enquanto os prisioneiros políticos detidos pelo regime de Kadafi foram libertados, cerca de sete mil prisioneiros estão em prisões e centros de detenção improvisados, sem acesso a protecção judicial ou policial, adianta-se no documento.
O responsável da ONU deu ainda conta ao Conselho de Segurança do "forte desejo" na Líbia de que Saif Al-Islam Kadafi, filho do assassinado ditador, e outros altos responsáveis do anterior regime, sejam julgados no próprio país, e não em tribunais internacionais.
Por certo irá acontecer a Saif Al-Islam Kadafi o mesmo que ao pai, o que seria uma bênção para os donos do mundo. Se assim acontecer, ninguém vai saber o que ele poderia dizer sobre os anteriores amigos do pai, alguns dos quais, como José Sócrates, o consideravam um “líder carismático”.
Bom seria que a família de Muammar Kadafi apresentasse, como disse que o faria, uma queixa no Tribunal Penal Internacional contra a NATO por "crimes de guerra".
Independentemente do facto de Kadafi ter merecido, na minha opinião, morrer não uma mas uma dúzia de vezes, o que a NATO fez na Líbia (mas que não fará noutros países com ditadores bem mais facínoras) foi o exemplo acabado de que os donos do mundo conhecem a razão da força mas nunca ouviram falar da força da razão.
O antigo líder líbio, de 69 anos, que fugira de Tripoli em finais de Agosto, foi capturado vivo (bem vivo, aliás) perto de Sirte (a 360 quilómetros da capital) e assassinado a tiro.
Que se saiba, embora não se tenha a certeza, não foi a NATO a dar o tiro de misericórdia a Kadafi, embora todos tenham ficado a lucrar com o silêncio definitivo do líder líbio.
Certo foi que foram os aviões da NATO que dispararam contra a coluna de veículos em que seguia Kadafi.
Embora o homicídio voluntário seja um crime de guerra previsto pelo artigo 8 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, a NATO sempre dirá que naquele situação Kadafi continuava a constituir uma ameaça para a Líbia, se calhar até para África ou, quem sabe, para o mundo inteiro.
Inicialmente dizia-se que a NATO estaria na região para, além de atirar a pedra e esconder a mão, proteger a população, excluindo sempre o objectivo de derrubar regime.
Como logo se viu, era uma treta como qualquer outra. Alguns países da NATO inundaram os rebeldes com todo o tipo de armas, deram-lhes instrução, planearam os ataques e coordenaram as acções com a Força Aérea da Aliança Atlântica. Tudo, é claro, para defender as populações e nunca para derrubar o regime.
Do lado da NATO estão, como sempre acontece com os vencedores, uma série de países, nem todos de forma sincera. Não será o caso dos europeus mas é, com certeza, o caso de muitos estados árabes que, com medo do cão raivoso, aceitaram (mesmo que contrariados) a ajuda do leão.
Quando se aperceberem (alguns já se aperceberam), o leão terá derrotado o cão e preparar-se-á para os comer a eles. O leão, como mais uma vez se confirma, não terá necessariamente de ter nacionalidade norte-americana.
Aliás, os homens do tio Sam são especialistas em criar leões onde mais lhes convém. Em certa medida Osama bin Laden, tal como Saddam Hussein, como Muammar Kadafi, foram leões “made in USA”. Ao contrário do que pensam os ilustres operacionais da NATO, do FBI da CIA ou de qualquer coisa desse tipo, ninguém tem neste planeta (pelo menos neste) autoridade e poder ilimitados.
Os maus da fita, segundo os realizadores da NATO, poderão não ter a mesma capacidade bélica do que os EUA e seus aliados. Vão ser, continuam a ser, humilhados, sobretudo pelo número dos mortos que o único erro que cometeram foi terem nascido.
São as leis da razão? Não. São as leis dos instintos. Instintos que vão muito além das leis da sobrevivência. Entram claramente (tal como entrou Bin Laden ou Muammar Kadhafi) na lei da selva em que o mais forte é, durante algum tempo, mas nunca durante todo o tempo, o grande vencedor.
Seja como for, o Mundo Árabe só está do lado dos países da NATO por questões estratégicas, por opções instintivas. Bem ou mal, em matéria de razão, os árabes estão com os seus... e esses não são os nossos...
Pelo menos desde a Guerra dos Seis Dias, a aprendizagem dos árabes tem sido notável. Aceitam o que os donos do mundo definem como inimigos, enforcam até os seus pares com a corda fornecida pelo Ocidente, mas, na melhor oportunidade, vão enforcar americanos e europeus com a corda enviada de Nova Iorque, Paris ou Londres.
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