Uma trabalhadora independente com lugar marcado nas esquinas da cidade, que seja amiga (ou fornecedora de serviços) do dono, ou do filho do dono, de um jornal, pode de um momento para o outro ser jornalista.
O presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, lamentou hoje, diz ele que "profundamente", que dois fotojornalistas tenham sido atingidos (significará o mesmo do que agredidos?) durante os "distúrbios" que ocorreram quinta-feira no Chiado, sublinhando ser importante que se "saiba bem tudo aquilo que aconteceu".
No que tange aos fotojornalistas, a questão parece-me simples de explicar. Cá para mim, os polícias cumpriram com todo o rigor as instruções recebidas, mesmo que de forma informal.
Passo a explicar. Fernando Lima, o consultor político do Presidente da República, e seu ex-assessor de imprensa, considerou que "uma informação não domesticada constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar".
Ora, a Polícia existe para acabar com ameaças e, é claro, para domesticar todos aqueles que prevaricam. É discutível se a melhor forma de domesticação é o uso do cassetete. Mas cada um usa os meios que lhe parecem mais eficazes.
"Lamento profundamente que dois fotojornalistas tenham sido atingidos durante os distúrbios a que as forças de segurança tiveram que fazer face", afirmou o chefe de Estado.
Dizer que desculpas e lamentos não se pedem – evitam-se, é o mesmo que chover no molhado. Aliás, nada disto é novo em Portugal. O país tem evoluído também nas formas de domesticar os jornalistas e, talvez por isso, se estranha que seja preciso usar a violência física. Por regra a violência psicológica é mais do que suficiente.
O jornalismo em Portugal (que já não sei bem o que é) continua a sua corrida no sentido da perda total de credibilidade. Há, dizem-me, algumas excepções. Por serem poucas são difíceis de encontrar. O processo de domesticação está no bom caminho.
No bacanal colectivo em que se tornou Portugal, e ao contrário do que seria de esperar, os “macacos” (que são cada vez mais) não estão nos galhos certos (que são cada vez menos). E quando assim acontece (e acontece muitas vezes), tanto jornalistas como produtores de conteúdos sobrevalorizam as ideias de poder em detrimento do poder das ideias.
O Estado de Direito... democrático continua a manter, sempre através do cassetete físico ou psicológico, muitos vícios, deformações e preconceitos herdados. Dá jeito, é barato e eficiente. O “quero, posso e mando” continua a fazer escola, sobretudo tendo como mestres os donos dos jornalistas e os donos dos donos.
A promiscuidade na sociedade portuguesa está de pedra e cal. Na Comunicação Social todos, de Cavaco Silva e Miguel Relvas, a querem independente mas, como é hábito, controlam essa independência pelos mais diferentes meios, sejam económicos, partidários ou outros.
O jornalismo que vamos tendo, qual reles bordel, aceita tudo e todos. No entanto, reconheça-se, os jornalistas sempre podem ser deputados, assessores de ministros, administradores de empresas, gestores etc..
Se todos podem ser jornalistas, porque carga de água não podem os jornalistas ser deputados... da Nação ou assessores de políticos, ou conselheiros do presidente, ou prostitutos da alma? Nem mais. É uma pequena vingança, mas mais vale pequena do que nenhuma. Não?
Aliás, a própria Comissão da Carteira Profissional de Jornalista entende que não é incompatível ser jornalista e deputado. O mesmo se passa com o Sindicato dos Jornalistas que viu o seu presidente ser candidato a deputado.
Nada importa. Os Jornalistas (até) não têm razão de queixa...
São uma classe prestigiada, nobre e cada vez mais dignificada? Não. É claro que não. Qualquer um pode ser jornalista.
Uma trabalhadora independente com lugar marcado nas esquinas da cidade, que seja amiga (ou fornecedora de serviços) do dono, ou do filho do dono, de um jornal, pode de um momento para o outro ser jornalista.
É claro que o Jornalismo não é isso. Mas também é claro que o “nosso” jornalismo é também isso. É e será enquanto os Jornalistas não colocarem a casa em ordem... Mas isso dá muito trabalho e rende pouco.
É muito mais vantajoso e lucrativo ser domesticado, criado de luxo do poder, como é bem exemplificado pelo próprio Fernando Lima. E depois das diferentes comissões de serviço sempre poderá ser administrador de uma qualquer empresa, pública ou privada.
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