Combates entre duas facções das Forças Armadas da Guiné-Bissau obrigaram o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, a procurar abrigo numa embaixada estrangeira. Não, não foi agora. Mas também não foi há muito tempo. Foi apenas em Dezembro passado.
Testemunhas disseram na altura que se ouviram tiros de armas automáticas e que foram lançados rockets na base de Santa Luzia, em Bissau. "Aparentemente, é uma disputa entre o chefe do Exército [general António Indjai] e o chefe da marinha [Américo Bubo Na Tchuto]", disse à Reuters um diplomata que não quis ser identificado.
"O meu nome sempre é associado à confusão. Mas, posso dizer ao país que não tenho nada a ver com o que se estará a passar. Foi o próprio chefe do Estado-Maior (António Indjai) que me ligou, esta manhã, a perguntar se seriam os meus homens que tentaram atacar o paiol, ao que lhe respondi que não são os meus homens e não tenho nada a ver com tudo isso", disse Bubo Na Tchuto aos jornalistas.
E a Guiné-Bissau é mesmo isto. De golpe em golpe até ao golpe final de um país que há muito tende a deixar de o ser, perante a hipocrisia do Mundo, mas sobretudo desse elefante branco que dá pelo nome de Comunidade de Países de Língua Portuguesa, CPLP.
Mas tudo isto tem uma razão. Entre os países classificados como sendo regimes autoritários, a Guiné-Bissau está na posição 157. Para termo de comparação registe-se que Angola figura no 133º lugar.
Em matéria de corrupção, a Guiné-Bissau foi incluída no grupo dos 30 países mais corruptos à luz do Índice de Percepção da Transparência Internacional, estando no 154º lugar.
Segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), em cada 1.000 nascidos vivos, morrem 192,6 na Guiné-Bissau (só ultrapassada por Afeganistão e Chade), 160,5 em Angola e 141,9 em Moçambique.
Ainda no capítulo da saúde materno-infantil, 1.000 em cada 100.000 mulheres na Guiné-Bissau morrem no parto (pior registo só no Afeganistão e no Chade).
E, para bem dos guineenses – sendo que dois em cada três vivem na pobreza absoluta - , é mesmo necessário, diria mais do que urgente, que alguém (UE, EUA, CEDEAO) dê um murro na mesa e obrigue os poucos que têm cada vez mais milhões a trabalhar para os “milhões” que têm cada vez menos.
Esse murro na mesa deveria ser dado pela CPLP, mas essa “coisa” é a prova provada de que quem nada faz... nunca erra.
Quando se sabe, e a CPLP sabe-o bem, que a Guiné-Bissau regista a terceira taxa mais elevada de mortalidade infantil no mundo, fica a ideia de que afinal todos se estão nas tintas para os guineenses.
De facto, sempre que alguém tem coragem de falar verdade (nunca é o caso de Portugal ou da CPLP), fica a saber-se que para além de envergonharem as autoridades guineenses – mostram a hipocrisia que reina nos areópagos das principais capitais da CPLP, a começar por Lisboa.
Será que a CPLP aceita calma e serenamente, como até agora, que a esperança de vida à nascença para um guineense seja de "apenas" 45 anos?
Será que a CPLP aceita calma e serenamente, como até agora, que apesar da miséria os líderes guineenses continuem a saborear várias refeições por dia, esquecendo que na mesma rua há gente que foi gerada com fome, nasceu com fome e morre com fome?
Será que a CPLP aceita calma e serenamente, como até agora, que é possível enganar toda a gente durante todo o tempo?
Sei que Portugal, tal como outros, continua a aliviar a consciência (se é que a tem) mandando peixe para a Guiné-Bissau. No entanto, o que os guineenses precisam é tão só de quem os ensine a pescar.
Sei que Portugal continua, tal como outros, a mandar antibióticos para a Guiné-Bissau. Esquece-se, sobretudo porque tem a barriga cheia, que esses medicamentos só devem ser tomados depois de uma coisa essencial que os guineenses não têm: refeições.
Portugal, já que a CPLP é uma miragem flutuante nos luxuosos areópagos da política de língua portuguesa, deveria dar força à única tese viável e que há muito foi defendida (pelo menos desde Junho de 2009) por Francisco Fadul e que aponta, enquanto é tempo, para “o envio de uma força multinacional, de intervenção que garantisse aquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a democracia e os Direitos Humanos".
Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional (CPLP, Portugal e similares) continuam pouco ou nada preocupados com o que se passa na Guiné-Bissau.
"É necessária a intervenção de uma força multinacional militar, policial e administrativa na Guiné-Bissau para a manutenção da ordem, a pacificação social e a vigilância sobre o funcionamento dos órgãos do Estado", disse Francisco Fadul.
Na altura, Junho de 2009, tinha surgido mais onde de violência onde as forças de segurança mataram os ex-ministros Hélder Proença e Baciro Dabó, este último então candidato à Presidência, por alegado envolvimento numa tentativa de golpe de Estado.
Para Francisco Fadul, "mais uma vez foi reconfirmado que o Estado se tornou um fiasco, falhou, não existe na prática porque não é capaz de zelar pelos interesses dos cidadãos, pela preservação da ordem mínima".
"Nem sequer tem eficácia para conter os usurpadores do poder ou os bandos armados que estão a actuar no país", disse Francisco Fadul, acrescentando que estes grupos são "autênticos esquadrões a soldo de chefes militares".
"Não se trata de bandos indefinidos, desconhecidos", reiterou, frisando não acreditar "na teoria da tentativa de golpe de Estado".
"É a falta de cultura histórica e política que os faz falar assim e tentar convencer as pessoas, pensando que os outros são um grupo de patetas. É clássico o que eles fizeram, em todos os totalitarismos aparecem sempre denúncias de golpe de Estado para permitir o abuso da autoridade, o excesso de poder em relação aos adversários políticos", declarou.
"Apresentam, como é tradicional, uma lista de suspeitos, de supostos implicados, e uma lista de objectivos a atingir pelos alegados golpistas", referiu, considerando que tudo não passa de "balelas, de armação política para justificar uma acção destruidora, completamente totalitária sobre os adversários políticos".
"O Estado não pode transformar-se em criminoso, se assim procede é porque está nas mãos de criminosos", afirmou.
Segundo Francisco Fadul, "como sempre acontece em África, quando acontecem estas barbaridades os possíveis responsáveis morais nunca estão no país".
"Como se o facto de estarem ausentes os ilibasse de responsabilidades", lamentou.
Eu sei que essa coisa da memória é uma constante chatice. Tal como a coluna vertebral e os tomates. Mas, mesmo assim, respeitando todos aqueles, e são cada vez mais, que não têm esses predicados, continuo a valorizá-los como membro de uma minoria.
Recordo-me que o chefe do Estado Maior General das Forças Armadas portuguesas (CEMGFA) considerou em 24 de Setembro de 2008 estarem criadas as bases da doutrina militar para o emprego de uma força conjunta da CPLP.
Luís Valença Pinto regozijou-se na altura com a participação, pela primeira vez, de forças de todos os países que compõem a CPLP no exercício FELINO concluído então na área militar de S. Jacinto, em Portugal.
No balanço que fez desse exercício conjunto, o CEMGFA considerou que o FELINO 2008 permitiu lançar as bases de doutrina militar para criar uma força conjunta que possa ser activada para missões de paz, sob a égide das Nações Unidas.
Será que o que se tem passado, o que se passa e que se virá a passar na Guiné-Bissau não justifica a activação dessa força?
O CEMGFA salientou que, devido à cooperação militar, seria viável até aqui uma intervenção bilateral ou trilateral, mas não a oito, do ponto de vista militar, dada a necessidade de harmonizar conceitos, técnicas e tácticas, que foi o objectivo do FELINO 2008.
Volto a perguntar: Será que o que se tem passado, o que se passa e que se virá a passar na Guiné-Bissau não justifica a activação dessa força?
No terreno desde 2000, os FELINO visam treinar o planeamento, a conduta e o controlo de operações no quadro da actuação de resposta a uma situação de crise ou guerra não convencional, por parte das Forças Armadas dos estados-membros da CPLP.
Em teoria, e é só disso que vive a CPLP, as forças FELINO poderiam actuar por livre iniciativa da CPLP quando a situação é de crise num dos seus estados-membros.
Em termos políticos, de acordo com o especialista angolano em Relações Internacionais Eugénio Costa Almeida, "o grande problema da CPLP é não ter, ao contrário da britânica Commonwealth ou da Communauté Française, um Estado com capacidade de projecção e liderança que defina e determine as linhas de actuação da Comunidade, tal como faz Londres ou Paris".
O facto, "ainda não ultrapassado e se calhar de difícil solução, de a CPLP não falar a uma só voz, de não ter uma voz de comando que determine o rumo a seguir, leva a que, em situações de crise num dos seus membros, sejam terceiros a resolver o problema", diz Eugénio Costa Almeida.
E enquanto os militares da CPLP brincam aos... militares, na Guiné-Bissau os militares, ou similares, vão-se exercitando com as AK-47 e por falta de alvos convencionais… matam-se uns aos outros.
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