Todos sabem, mas - é verdade - poucos praticam a tese de que o comodismo é a esterilidade da criação. Portugal não só é comodista como valoriza todos os que optem por ser estéreis.
Quem ousa - e são cada vez menos - lutar contra o comodismo só consegue criar uma catrefa de inimigos, quase sempre bem colocados na hierarquia do poder, seja ele económico, político, cutural ou até mesmo social.
De facto, lutar contra o comodismo estéril de uma sociedade que vive de aparências é uma forma, perigosa, de agitar o pàntano em que se movem os invertebrados, sejam políticos, empresários, jornalistas ou outra qualquer espécie parida nas latrinas da subserviência.
E são todos estes que são os responsáveis e, ao mesmo tempo, beneficiários das diferentes crises. Portugal tem sido, aliás, um bom exemplo.
Será que algum dia, nas próximas décadas, Portugal vai ter um empresário (um único que seja) que considere que o maio desafio de qualquer empresa é torná-la um lugar onde seja apaixonante trabalhar?
Quando Portugal procurou - e conseguiu muitas vezes - acabar com os clones, com os acéfalos, com os submissos, com os invertebrados, e apostar no talento, no esforço, na crítica, nos que sabem dizer não, conseguiu inclusive dar luz ao mundo.
E foi nesses tempos, raros mas recuperáveis, que o país consegiu ser Pátria e recuperer algo que de tão raro todos julgam ser impossível: o primado da competência.
Quando será que em Portugal se voltarão a ver trabalhadores, administradores, gestores, políticos, a serem avaliados de forma objectiva e imparcial, sem que para essa avaliação conte o cartão do partido, os jantares com o chefe ou a prenda de anos no aniversário do director?
É claro que todos devem ser avaliados pelo mérito, sendo que este é perfeitamente mensurável e não necessita de análises subjectivas. Acresce que só quem for competente pode avaliar a competência. Digo eu, na inocência de quem julga viver num Estado de Direito mas que nos últimos anos tem resvalado para a lixeira.
Ora, como cada vez mais a competência tem sido – em Portugal - substituída pela subserviência, não adianta instituir do ponto de vista legal o primado da transparência quando todos os seus agentes são opacos.
O tecido laboral em Portugal está a mudar? Está. Durante muitos anos, as avaliações laborais (fossem nas empresas do Estado ou nas privadas) pareciam sérias mas não eram. Hoje não parecem nem são. É o mesmo que se passa com a política, nomeadamente no bacanal colectivo que tem sido o Parlamento onde, com a excepção de uma ou outra mosca, a merda continua a mesma.
Hoje, nas empresas do Estado ou nas privadas, nos organismos públicos e na actividade política, o ambiente é de valorização exponencial do aparente, do faz de conta, do travesti profissional que veste a farda que mais jeito dá ao capataz que está acima.
Não admira por isso que, na eventualidade (rara, raríssima) de alguém questionar o veredicto superior (tão superior quanto a sua similitude com os camaleões) corre o risco de ver a avaliação reduzida ainda mais. Reduções, é claro, proporcionais às vezes que ousar questionar o dono da verdade.
O passado recente foi, basta ver o exemplo do ex-chefe do reino socialista e dos seus vassalos, de todos aqueles que às segundas, quartas e sextas elogiavam o chefe, às terças, quintas e sábados o director e ao domingo esboçavam elogios a quem pensavam que iria ser chefe , director ou primeiro-ministro.
Esperemos, entretanto, para ver se com o novo governo PSD/CDS a coisa vai ser diferente. Não creio. Mas, claro, não custa dar o benefício da dúvida, nem que seja para um dias destes concluir que, mais uma vez, em Portugal ninguém vai querer saber que o “stradivarius” que julgam ter é, afinal, feito com latas de sardinha e foi comprado na Feira da Vandoma, no Porto.
Pelo meio deste circuito aparecem sempre os sipaios que acalentam a esperança de um dia serem chefes de posto e que, no cumprimento de ordens superiores, passam ao papel a avaliação pré-determinada, mesmo que no lugar da assinatura tenham de pôr a impressão… digital.
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