Até ao final de Outubro, o Governo disporá de um novo modelo de serviço público no sector da comunicação social, garantiu hoje o ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas.
Pois. Serviço público, não serviço para o público. Ou, melhor. Serviço para o público que eles querem formatar, apostando em colunas vertebrais amovíveis.
"O país tem de agir com rapidez. Não temos tempo a perder”, disse Miguel Relvas. “O país precisa de reformas, as reformas têm de ser feitas. Estamos a pedir sacrifícios aos portugueses e os sacrifícios têm de valer a pena. E esses exemplos terão que ser dados na eficiência da gestão", acrescentou no final de uma visita à agência Lusa, empresa onde o Estado detém uma participação de 50,1 por cento.
"Temos de lutar contra o tempo em todas as áreas. Mesmo os diagnósticos têm de ser feitos com rapidez", disse Miguel Relvas, que anunciou para "os próximos dias" a criação de um grupo de trabalho que vai definir o conceito do serviço público na área da comunicação social.
E, creio, Miguel Relvas esteve reunido com Afonso Camões, ex-administrador da Controlinveste e actual presidente da Lusa, exactamente para aprender como é que as coisas se fazem.
É um pouco à semelhança do que, na Lusa, fizeram à jornalista Sofia Branco, que foi demitida por “quebra de confiança” da então direcção de Informação.
Este caso “remonta a 18 de Fevereiro, quando Sofia Branco recusou escrever ou editar uma notícia sobre a reacção do primeiro-ministro às declarações do presidente do grupo Jerónimo Martins.”
E o que é que se passou?
“Um assessor de José Sócrates contactou uma jornalista da agência, atribuindo ao primeiro-ministro a declaração "não basta ser rico para ser bem educado", uma frase que Sócrates só diria no dia seguinte a vários jornalistas…
Recordam-se, por exemplo, que quando foi falar à Comissão de Ética, Sociedade e Cultura do Parlamento português, a propósito do encerramento das delegações da Lusa, Afonso Camões foi taxativo ao afirmar: "Não fechámos, mas vamos fechar. É assim que eu quero e é assim que vai ser".
É por estas e por outras que, no reino lusitano, a liberdade de imprensa está em vias de extinção (eu sei que sou optimista).
Se os donos dos meios de comunicação, se os donos dos donos, assim querem “é assim que está a ser, é assim que vai continuar a ser”.
Para além da minha débil experiência profissional (só ando nisto do jornalismo há 37 anos), faço contas aos jornalistas desempregados, aos que mudaram de profissão, aos que estando no activo estão na prateleira, aos que tendo emprego estão desempregados, aos que adoptaram uma coluna vertebral amovível, aos que se filiaram no partido para garantir o emprego, aos que em vez de erectos andam de cócoras, aos que por um prato de lentilhas dizem ámen a tudo.
E como em qualquer democracia, em qualquer Estado de Direito, o presidente de uma empresa pública pode sempre dizer “é assim que eu quero e é assim que vai ser".
Aliás, não é exactamente isso que dizia o anterior primeiro-ministro do Burkina Faso, perdão, de Portugal? Não é isso que diz o actual líder do Governo? É isso, sem tirar nem pôr. Quando um país tem o raro privilégio de ter super-cidadãos num executivo que é dono da verdade, a única solução é comer e calar.
É assim que eles querem, é assim que foi e é assim que será.
No Jornalismo, se um jornalista – aprendia-se – não procura saber o que se passa, é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala, é um criminoso. Sempre existiram, é verdade, imbecis e criminosos.
Mas nunca, como agora, ser imbecil e criminoso é condição sine qua non para ser “jornalista” mas, sobretudo, para ser director e até administrador. Isto já para não falar em ser deputado, assessor, especialista ou membro do Governo.
Por alguma razão, quando em 2004 chegou à liderança do PS, José Sócrates jurou a pés juntos que a liberdade de imprensa era para si sagrada... Por alguma razão Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas e companhia juraram a mesma coisa. Chegados lá, a regra passa a ser: “é assim que eu quero e é assim que vai ser".
E não faltam seguidores. Segundo a organização internacional não-governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que claramente nada percebe da poda, a liberdade de imprensa em Portugal diminuiu, registando uma queda do 16º para o 30º lugar na lista dos países que mais respeitam o trabalho dos jornalistas.
Por outras palavras, o poder quer que os jornalistas perguntem não o que o Estado/país/bordel pode fazer por eles, mas sim o que eles podem fazer pelo bordel/país/Estado.
E o que melhor podem fazer é aceitar que para serem um dia directores ou administradores de um jornal têm de ser criados do poder.
“E não há dúvida nenhuma de que, aconteça o que acontecer, a imprensa, uma imprensa livre, continuará a ser um dos grandes pilares da democracia”, disse em tempos María Teresa Fernández de la Veja.
Se uma imprensa livre é um dos grandes pilares da democracia, a dita está, no reino lusitano, coxa. Muito coxa. Até porque não basta dizer que existe democracia porque “é assim que eu quero e é assim que vai ser".
Quando o deputado roubou os gravadores aos jornalistas, no caso Ricardo Rodrigues, do Partido Socialista, disse que apenas “tomou posse” dos gravadores. Não teria sido mais fácil dizer: “Era assim que eu queria, foi assim que aconteceu?”
A ser verdade, mesmo não dizendo “é assim que eu quero e é assim que vai ser", que uma imprensa livre é um dos grandes pilares da democracia, que regime é este que Portugal vive?
Em Portugal, é não só legal como nobre o facto de o servilismo ser regra para bons empregos, garantindo que esses servos vão estar depois a assessorar o partido, empresas ou políticos.
Sempre, é claro, levando em conta que uma imprensa livre é um dos grandes pilares da democracia. E quando alguém contesta, está sujeito a ouvir, com todo o espírito democrático: “É assim que eu quero e é assim que vai ser".
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