Em Portugal, ao requer audição de jornalistas sobre alegados impedimentos no exercício da profissão na Madeira, o Bloco de Esquerda (BE) está a tapar o sol, mesmo à noite, com uma peneira.
O BE requereu hoje à Comissão Parlamentar para a Ética, Cidadania e Comunicação da Assembleia da República a audição de vários jornalistas, nomeadamente do director e de cinco jornalistas do "Diário de Notícias da Madeira" e de uma jornalista do "Público", justificando a iniciativa com a existência de "ocorrências anormais do ponto de vista do livre exercício da profissão e do direito ao acesso às fontes que está consagrado".
E então, no continente está tudo bem? Que tal ouvir os jornalistas, os donos dos jornalistas e os donos dos donos dos jornalistas? Isto, é claro, no pressuposto não confirmado de que ainda há por aí alguns jornalistas…
"São acontecimentos anómalos que surgem relatados na imprensa regional e nacional e que o Bloco de Esquerda considera que devem ser devidamente esclarecidos e clarificados", sustenta o partido no requerimento dirigido ao presidente da comissão, o deputado Mendes Bota.
Não quererá o BE, e é apenas uma mera sugestão, dar uma atenta vista de olhos ao que os jornalistas escrevem sobre este assunto nos seus blogues, por exemplo? É que centrar as baterias na Madeira é, para além de chover no molhado, branquear o que se passa no resto do país, eventualmente com maior gravidade.
No documento, o BE aponta várias situações, a última das quais ocorrida na segunda-feira, quando "o presidente do Governo Regional da Madeira se recusou a falar à comunicação social e ameaçou expulsar da sacristia" a jornalista do matutino madeirense Marta Caires que estava a acompanhar a festa de Nossa Senhora do Monte, no concelho do Funchal.
É que, neste caso, Alberto João Jardim recusou falar. Mas não haverá casos em que os donos do país escrevem o que os jornalistas devem escrever, cabendo a estes o sublime direito de apenas assinar os textos?
"Nesta ocasião, o presidente do Governo Regional terá proferido publicamente acusações à jornalista, ameaçando-a de expulsão do local, por, alegadamente 'ser comunista', situação que foi presenciada por outros repórteres, vereadores da Câmara Municipal do Funchal, membros do Governo e até o bispo do Funchal", sustentam os bloquistas.
Um outro caso relatado pelo BE diz respeito ao presidente da Câmara Municipal de São Vicente que, "na semana passada, tentou que a jornalista do Público, Ana Cristina Pereira, anulasse o convite feito ao director do Diário de Notícias da Madeira para apresentar, no final deste mês e naquela autarquia, o livro 'Viagens Brancas'".
"O convite ao jornalista foi feito em Dezembro passado e só no final de Julho a autarquia solicitou que fosse alterado o convidado, sem apresentar qualquer explicação para o facto", explica o BE, acrescentando que "a recusa da autarquia teve como consequência a transferência da apresentação para outro local".
No requerimento, o BE refere ainda agressões físicas e verbais a jornalistas, pedindo que os profissionais esclareçam os deputados sobre as condições de exercício da liberdade de imprensa na Madeira.
Agressões verbais e físicas? É tudo uma questão de reeducação das classes operárias. E isso acontece, na Madeira como no resto do país, porque alguns jornalistas ainda não perceberam que não trabalham num Estado de Direito. Ainda não entenderam que ou comem e calam ou vão para o desemprego.
Não creio que por enquanto (eu sei que sou optimista) os donos do país peguem na pistola quando ouvem falar de jornalistas. E não pegam por duas razões: Por um lado, se tal for necessário tem lá os lacaios que se prestam a tal serviço, por outro, os países mais civilizados da Europa (e não só) usam meios mais sofisticados para calar as vozes incómodas.
De facto, não é preciso dar um, ou quantos forem precisos, tiro no Jornalista. Basta oferecer-lhe uma pistola e depois fazer-se uma reestruturação empresarial (sinónimo óbvio de despedimentos). Quando o Jornalista descobrir que não tem dinheiro para pagar o empréstimo da casa ou os estudos dos filhos... dá um tiro na cabeça.
Convenhamos que a verdade às vezes incomoda, seja em Portugal, na Rússia (Anna Politkovskaia) ou em Moçambique (Carlos Cardoso).
Aliás, é comovedor ver todos aqueles que estão de pistola em punho saírem à rua para condenar o que se passou na Rússia, por exemplo, e dizer que a liberdade de Imprensa é um valor sagrado. Sagrado sim, desde que não toque nos interesses instalados, desde que só diga a verdade oficial.
Vem isto a propósito das teses vigentes um pouco por todo o lado, nomeadamente nos areópagos da política portuguesa, que apontam para a necessidade de os jornalistas serem formatados consoante os interesses (económicos, políticos e similares) dos donos do Poder.
Se calhar, como me dizem ex-jornalistas que hoje são assessores, directores, administradores etc., o melhor é aceitar a derrota e na impossibilidade de os vencer, juntar-me a eles…
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