“O estado que temos idealizado nas nossas mentes é o país de todos, de Cabinda ao Cunene e do Moxico ao mar, não queremos um país que discrimina as pessoas na base da sua região ou camisola política”.
Barbaridades destas já foram ditas por muitos supostos dignitários dos putrefactos areópagos da política luso qualquer coisa. De Cavaco Silva a José Sócrates, de Passos Coelho a Paulo Portas, todos disseram, ou dizem, o que o dono de Angola manda dizer sobre a colónia angolana de Cabinda. Mas esta foi dita, sábado, em Benguela pelo presidente da UNITA, Isaías Samakuva. Importa por isso que os cabindas, tal como os angolanos, não se esqueçam desta esclarecedora afirmação.
Por muito que custe à actual UNITA, importa recordar que o seu fundador e primeiro presidente, morto em combate pelo MPLA em Fevereiro de 2002, Jonas Savimbi, reconheceu em várias intervenções públicas que Cabinda nunca faz parte integrante de Angola, nem antes, nem durante, nem depois da retirada do colonizador português.
O Presidente da República portuguesa, Cavaco Silva, ouviu no dia 20 de Julho de 2010, em Luanda, as preocupações do líder da UNITA, Isaías Samakuva, relativas ao processo de democratização de Angola, à situação na “província” angolana de Cabinda, bem como um apelo às responsabilidades históricas de Portugal.
Afinal, em que é que ficamos? Se Cabinda é – como diz Samakuva – parte de Angola, porque razão o líder da UNITA falou a Cavaco Silva da situação e apelou às responsabilidade históricas de Portugal?
Nessa altura, a UNITA aproveitou o quase monólogo que manteve com Cavaco Silva para dizer ao presidente português o que ele não queria ouvir, sobretudo porque no que a Angola respeita a visão portuguesa é obrigatoriamente coincidente com a do MPLA.
Seja como for, Cavaco Silva - que nunca se engana e poucas vezes tem dúvidas – continua a dizer o que manda a cartilha oficial do MPLA, esquecendo que as relações entre os dois países, bem como com Cabinda, começaram bem antes de 1974.
Mas da mesma forma que Cavaco Silva diz que as últimas eleições foram livres e justas (só ele, o governo do PS e o MPLA consideram tal coisa), também diz que Angola vai de Cabinda ao Cunene.
“Falamos ainda sobre o caso de Cabinda, em que Portugal também tem responsabilidades históricas e o governo português pode desempenhar um papel na pacificação porque, com os contactos privilegiados que Portugal tem com o governo angolano e com a sociedade de Cabinda, pode-se encontrar uma forma de fazer com que o diálogo surta efeitos”, disse o líder da UNITA.
Se Cabinda, como diz agora Samakuva, faz parte de Angola, não se percebe o eu levou o líder da UNITA, da actual UNITA, a pedir apoio específico para este caso.
Acredito que Cavaco Silva não tenha registado uma única ideia das que foram apresentadas pela UNITA. Para Portugal a democracia em Angola esgota-se no MPLA. Para Portugal, Angola é o MPLA e o MPLA é Angola. O resto é paisagem.
Se a UNITA, tal como os cabindas, acredita mesmo em Portugal, o melhor é ir pensando muito bem porque «sekulu wafa, kalye wendi k'ondalatu! v'ukanoli o café k'imbo lyamale!» (morreu o mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados).
A autonomia para a “província” de Cabinda foi, aliás, uma das propostas do anteprojecto de Constituição da UNITA, apresentado em Maio de 2009 em Luanda pelo seu líder, Isaías Samakuva.
Seria meio caminho andado... se os donos do poder da potência ocupante, Angola, a isso estivessem receptivos. Mas não estiveram nem estarão, tal é a ambição desmedida pelo poder. E se calhar o MPLA até tem razão.
Para quê dar autonomia se, como diz o presidente da actual UNITA, Angola vai de Cabinda ao Cunene?
A UNITA no seu anteprojecto de Constituição elegeu a descentralização político-administrativa de Cabinda, por entender que é, era, seria, a via para a resolução da "complexidade dos problemas históricos" do que chama enclave.
A proposta referia que só essa "descentralização" permite "maior agilidade, participação democrática e eficiência" na administração territorial e "consolidação da paz política e social" em Cabinda.
Talvez por ter sido escrita em português, a proposta da UNITA não conseguiu ser digerida pelos donos do poder que, diga-se, só falam uma língua: o “mplaês”. Vê-se agora que também não foi entendida pelo próprio presidente do Galo Negro.
Mas, como dizia Jonas Savimbi, ainda é a dor que nos faz andar, ainda é a angústia que nos faz correr, ainda são as lamúrias e as lamentações, que de vários cantos do país nos chegam, que nos fazem trabalhar; ainda é a razão dos mais fracos contra os mais fortes que nos faz marchar.
E eu penso, desde há muito tempo, que Cabinda não faz parte de Angola e que, por isso, deve ser um país independente. Dir-me-ão alguns, sobretudo os que se julgam donos de uma verdade adquirida nos areópagos da baixa política angolana (MPLA e UNITA) ou portuguesa (Cavaco Silva, PSD, CDS e PS), que isso é uma utopia.
Mais coisa menos coisa, são os mesmos que há umas dezenas de anos diziam o mesmo a propósito da independência de Angola, de Moçambique, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, de Timor-Leste. São os mesmos que há pouco tempo diziam algo semelhante a propósito do Kosovo. São os mesmos que nesta altura dizem o mesmo quanto ao País Basco.
Mas, tal como se disse em relação a Angola e ao Kosovo, um dia destes estará por aqui alguém a falar da efectiva independência de Cabinda.
Até que esse dia chegue, continuará a indiferença (comprada com o petróleo de Cabinda), seja de Portugal, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa ou até mesmo da comunidade internacional
1 comentário:
Esta é super-boa! Pois, para combater o MPLA, a UNITA reconhecia a FLEC e a legitimidade das suas reivindicaçoes. Apoiou, treinou e armou a FLEC, e prometeu não combater os cabindas e respeitar suas aspirações. Entretanto, agora vê-se uma UNITA com o mesmo discurso que o MPLA sobre Cabinda, uma UNITA que disponobilizou suas tropas para as actuais campanhas de repressao e exterminio em Cabinda, sem um pronunciamento claro a denunciar absolutamente NADA!
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