quinta-feira, setembro 22, 2011

Quando ouviu os cabindas dizerem que se põem de joelhos perante Deus, Eduardo dos Santos disse ao MPLA que queria ser Deus...

Falar hoje, tal como ontem e certamente amanhã, de Cabinda é algo que desagrada aos poderes políticos de Angola e de Portugal, bem como ao poder económico nacional ou global.

Mesmo assim, há coisas a que nem todos podem fugir. Antevendo a eventualidade de o poder militar de Angola calar, com a conivência petrolífera da comunidade internacional, todos aqueles que no próprio país ou na colónia de Cabinda lutam pelos seus direitos, uma parte da comunicação social portuguesa tem dado algum destaque ao caso.

Destaque que, contudo e mais uma vez, passa ao lado das violações dos direitos humanos naquela colónia angolana, de que foram claros e inequívocos exemplos as prisões do padre Raul Tati, do advogado Francisco Luemba, do economista Belchior Tati e do engenheiro Barnabé Paca Peso que foram o bode expiatório dos ataques militares, em Janeiro de 2010, contra a segurança angolana à selecção de futebol do Togo que participava, em Cabinda, no Campeontado Africano das Nações.

Mais uma vez, grande parte da comunicação social portuguesa amplia a voz dos donos do poder, na circunstância o MPLA, esquecendo que a sua função básica (no meu tempo dizia-se sagrada) é dar voz a quem a não tem, neste caso aos cabindas que foram presos, que estão presos, que serão presos, que foram mortos e que serão mortos por acreditarem que a força da razão vale mais do que a razão da força.

Razões? As que deram e as que darão mais jeito ao regime colonialista angolano. Luanda avança, sistematicamente, com a tese de que o simples facto de pensar põe em risco a segurança do Estado (ocupante).

E foi, por exemplo, esse o “crime” cometido por Francisco Luemba que publicar o livro “O problema de Cabinda exposto e assumido à luz da verdade e da justiça”.

Cumprindo as ordens dos seus donos, e dos donos dos seus donos, a esmagadora maioria dos jornalistas portugueses dirão, dizem, que mão conhecem esse livro.

Recorde-se, contudo, que o livro em questão foi lançado em Portugal (Lisboa e Porto) em 2008 e é uma excelente obra sobre Cabinda ma que não mereceu a atenção dos ilustres cérebros que vagueiam nos areópagos da política e do jornalismo, tanto em Portugal como em Angola.

E se apenas ler é um crime, para as autoridades coloniais angolanas, ler o livro de Francisco Luemba ainda é um crime maior. Mas disso, com raras excepções, não falam os produtores de conteúdos de linha branca que, a troco de um prato de lentilhas, enxameiam as linhas de produção, outrora chamadas de Redacções.

Aliás, os cabindas apenas querem, como escreveu Francisco Luemba, que a questão seja suscitada, discutida calma e serenamente e as responsabilidades apuradas e assumidas sem preconceitos nem caça às bruxas, acusações ou insultos.

Há alguns anos, no limiar do novo milénio, o governo belga apresentou ao Povo da República Democrática do Congo desculpas formais e oficiais pelo seu envolvimento no assassinato de Patrice Lumumba, herói da independência daquele país africano e chefe do seu primeiro governo.

Para Cabinda, não é necessário que Portugal chegue a tanto, embora fosse da mais elementar justiça... caso Portugal fosse um Estado de Direito. Os cabindas apenas querem a verdade. Não só não exigem desculpas, como nem as esperam.

Os cabindas são o único povo do planeta a quem é negado, sistemática e terminantemente, a compreensão, a amizade e a solidariedade. O único povo cujos mais elementares direitos são espezinhados. O único que, contra o direito e a sua própria vontade, é empurrado para soluções extremas, como se o objectivo fosse arranjar um pretexto para eliminar os cabindas da face da terra.

Porque razão os supostos jornalistas portugueses não falaram, não falam, não recordam o que o padre Jorge Casimiro Congo foi dizer ao Parlamento Europeu (Bruxelas), no dia 26 de Janeiro de 2010, a convite da eurodeputada socialista portuguesa Ana Gomes?

O padre Casimiro Congo disse algo que define sublimemente os cabindas e que os angolanos nunca deverão esquecer: “Diante de Deus, de joelhos; diante dos homens, de pé”.

Jorge Casimiro Congo lamentou também a posição do governo português, de condenar apenas o que classificou como um ataque terrorista durante a Taça das Nações Africanas (CAN), afirmando que “Portugal é o ultimo a falar, não deve ser o primeiro a falar”. E porquê? Porque “Portugal é que é o culpado do que acontece em Cabinda. Não nos aceitou, traiu-nos”.

Se as verdades ajudassem a reduzir o défice português, as que foram ditas pelo padre Congo, não só por serem históricas mas sobretudo por serem actuais, o Governo de Passos Coelho estaria bem da vida.

Mas não ajudam. Desde logo porque, da Presidência de República portuguesa ao Governo, passando pelo Parlamento e pelos partidos, ninguém sabe o que é, da facto e de jure, Cabinda. Para quase todos, a história de Portugal só começou a ser escrita em Abril de 1974, ou até mais tarde.

Optimista quanto ao futuro, sobretudo por saber que o seu povo nunca será derrotado porque nunca deixará de lutar, o padre Congo disse ainda ter esperança de que no futuro haja “governos portugueses com mais calma para ver este problema”, porque acredita “que há partidos que começam a levantar a cabeça” e surgirão figuras que fiquem “acima de quaisquer negociatas, de petróleo, ou de mão-de-obra que tem de ir para Angola”.

É claro que não houve nenhuma reacção oficial de Portugal às acusações do padre Congo. Uns porque entendem (e talvez bem) que quem manda em Portugal é cada vez mais o clã Eduardo dos Santos; outros porque entendem que se o MPLA virar a rota e passar a investir noutro lado lá vão ao charco alguns grandes negócios; outros ainda porque se estão nas tintas para a honorabilidade de um Estado de Direito. Estado de Direito que Angola não é e que Portugal é cada vez menos.

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