O silêncio da quase totalidade dos países da União Africana (UA) em relação à crise no Zimbabué é “altamente preocupante” para África e para o Ocidente, em geral, afirmou hoje à Agência Lusa o académico português Adriano Moreira. Académico e, diga-se em abono da verdade, uma verdadeira enciclopédia em questões africanas.
“O silêncio é inquietante e altamente preocupante, mostrando que a mobilização daqueles governos (africanos) em favor daquilo que foram os critérios e os sonhos da descolonização está numa crise tremenda”, considerou o também presidente da Academia das Ciências, à margem do I Simpósio das Marinhas dos Países de Língua Portuguesa, hoje iniciado em Lisboa.
Adriano Moreira recordou, a título de exemplo, que o regime de Robert Mugabe, após a independência do Zimbabué, em 1980, foi um “Estado exemplar” que, já na década de 1990, acabou por “descambar”.
“Ainda por cima, Mugabe é uma pessoa formada nas melhores escolas ocidentais. Agora há uma regressão. É preciso chamar a atenção para o caso dele, mas também para a situação de outros países da África”, defendeu.
“Tudo isto leva a uma crise de parâmetros dos valores que é inquietante e esse homem, Mugabe, representa actualmente a expressão mais esdrúxula da violação de tudo o que foram os sonhos da descolonização e das Nações Unidas", referiu.
A “atitude” de alguns responsáveis ocidentais, acrescentou Adriano Moreira, também não está a ajudar, uma vez que, para esses, que não especificou, “África passou a ser o lugar onde há petróleo, diamantes, matérias primas”. “Ah, e talvez gente. Gente que passou a ser secundária”, enfatizou, uma das razões que “ajudam a esta anarquia”.
“Além disso, há ainda uma das coisas que considero mais preocupantes e importantes: o comércio das armas. Não se vê uma fotografia de um desastre humano ou de genocídios em África em que não esteja um homem com as armas mais modernas, que o seu país não fabrica mas compra a potências ocidentais”, acentuou.
Adriano Moreira foi mais longe e referenciou o actual momento tenso existente na África do Sul, onde, ao contrário do Zimbabué, a violência parece obedecer a parâmetros ancestrais, “os critérios para a onda de tensão passam pelo ser-se nacional ou estrangeiro”.
Nesse sentido, para Adriano Moreira, a transferência de poderes em África criou “ilusões” ao pensar-se, na altura, que a descolonização se traduzia em implantar regimes democráticos.
“Nenhuma gestão colonial era um poder democrático. Todas tinham concentração de poderes. Quer com os nomes de governadores, quer com os cargos de alto comissário ou de vice-rei. Portanto, a luta foi para obter aquele poder unitário a que estavam submetidos”, sublinhou.
“Mas houve, também, valores importantes, com o da negritude, que foi um apelo a valores comuns. Isso foi importante mas também foi uma ilusão. Só (o antigo presidente senegalês, Leopold Sedar) Senghor conseguiu isso, mas acho que, até isso, já entrou no crepúsculo", concluiu.
1 comentário:
Adriano Moreira foi a Angola como Ministro do Ultramar, faz agora 47 anos, a mando do Salazar, para ver os estragos no Norte de Angola, provocados pelo terrorismo da UPA. Pouco tempo aguentou como ministro de Salazar, parece que adivinhava, em que tudo ia dar. Sim, porque em África, a luta continua...!
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