Noutros tempos, mas com a mesma pronúncia do Norte, o Jornalista Manuel Pacheco de Miranda explicava, entre muitas outras coisas, que “a liberdade de expressão de pensamento que todos desejam não pode ser a liberdade de só se pensar como nós pensamos”.
Lembram-se por acaso do que dizia o chamado “Manifesto pelo último grande jornal da cidade do Porto”, divulgado há três anos?
Dizia o que se segue:
“Há um só jornal de dimensão nacional sedeado fora de Lisboa, o Jornal de Notícias, resistente último à razia que o tempo e as opções de gestão fizeram na Imprensa da cidade do Porto. Todavia, nunca a precariedade dessa sobrevivência foi tão notória como hoje, sendo tempo de todas as forças vivas da sociedade reclamarem contra o definhamento da identidade de uma instituição centenária que sempre as representou, passo primeiro para a efectiva e irreversível extinção.
Desde sempre duramente penalizado pela integração em grupos de Comunicação Social, pois sempre foi impedido de viver à medida das audiências e dos resultados, o Jornal de Notícias tende a ser profundamente descaracterizado pela remodelação que o Grupo Controlinveste encetou, ao lançar um processo de despedimento colectivo que afectou, para já, 122 pessoas em quatro dos títulos de que é proprietário.
São cada vez mais nítidos os indícios de que o referido grupo económico está a usar a crise para levar a cabo uma reestruturação, longamente pensada, que, através da criação de sinergias, destruirá a identidade dos dois jornais centenários de que é proprietário: o JN e o Diário de Notícias.
Se o processo não for travado, os dois jornais, mesmo que mantenham cabeçalhos diferenciados, serão apenas suportes de conteúdos sem alma. A ideia não é nova e, com a concentração dos media e com alterações legislativas feitas à medida, está em pleno curso. É agora prática corrente a figura do “enviado notícias”, jornalista de um dos dois títulos em serviço no estrangeiro, que vê a sua reportagem (ipsis verbis) publicada em ambos, ainda ontem concorrentes, mesmo que integrados no mesmo grupo.
Foi agora criada, à custa do despedimento de fotojornalistas, uma agência fotográfica cujos membros integrantes trabalharão, indiscriminadamente, para os jornais Diário de Notícias, 24Horas e O Jogo (o JN entrará logo depois nesse esquema, a primeira grande machadada nas matrizes identitárias das publicações).
O resto virá a seguir. Os jornais do Grupo Controlinveste passarão a ser, não importa se sob uma ou várias marcas, veículos de um pensamento unificado. Pensando apenas em optimização de recursos, descaracterizam-se redacções e nada impedirá, como acabou de suceder no JN com a informação internacional, que secções sejam extintas, uma vez que, nesta visão redutora, um só jornalista chegará para alimentar quantos jornais e páginas da Internet for necessário. A prática que se adivinha está já em curso na informação desportiva, em que JN e O Jogo partilham trabalho jornalístico.
Com a solidificação deste assustador processo, será o JN o mais penalizado e, com ele, a cidade do Porto, todo o Norte do país, vastas extensões da região Centro e, por conseguinte, a própria qualidade da democracia portuguesa.
Toda esta estratégia está a ser desenhada à distância, integrando-se nela a recuperação, há menos de um ano, do cargo de director-geral de publicações, entregue ao director do Diário de Notícias. Não importa a qualidade boa ou má dos propósitos, apenas que a estratégia do JN vem sendo traçada por pessoas que desconhecem por completo a história, o papel social, o estilo, os leitores ou os agentes sociais que ao longo de décadas tiveram neste jornal a sua voz.
Cada vez mais, o JN deixará de ser a montra dos problemas e dos anseios de vastas zonas do país (o fecho e o emagrecimento de filiais são paradigmáticos). Com isso, haverá um crescente isolamento de regiões que o centralismo tem colocado cada vez mais na periferia. Com isso, o debate sobre a regionalização será restrito e controlado pelo espírito centralista. Com isso, questões como o peso do Porto e do Norte no Noroeste Peninsular serão menorizadas. Problemas como o da gestão do Aeroporto Francisco Sá Carneiro serão menos discutidos. A progressão da rede de metro do Porto será menos reclamada. O poder local será ainda mais invisível. O empreendedorismo será asfixiado. A vida cultural será ainda mais silenciada. O país exterior à capital será cada vez mais paisagem.
Em sede própria, estão os trabalhadores afectados pelos despedimentos (não apenas jornalistas), muitos deles em situações dramáticas, a lutar pelos direitos que lhes assistem. Aqui, é o jornal que luta pela própria existência. Dentro dos deveres que lhes são impostos, os representantes eleitos pelos jornalistas do Jornal de Notícias erguem a voz pela história que lhes cumpre honrar, pedindo que se lhes juntem as vozes de quantos virem na preservação desta identidade uma causa justa.
A cidade do Porto e o Norte assistiram, calados, ao desmantelamento de ícones como O Primeiro de Janeiro e O Comércio do Porto. Quando reclamaram, era tarde. No caso do JN vão ainda tempo de exigir responsabilidade e sensatez. Quando perceber que o fim de tudo foi assim evitado, também o Grupo Controlinveste agradecerá, e é por isso que reclamamos a recuperação urgente do verdadeiro JN. Nacional mas do Porto.”
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