Dizem as notícias que cerca de duas centenas de jovens provocaram hoje distúrbios em frente à sede da Comissão Nacional de Eleições da Guiné-Bissau, onde exigiam o direito ao voto, mas a manifestação acabou com confrontos entre polícias e militares.
Os jovens reclamavam a inscrição nos cadernos eleitorais, para poder votar nas eleições presidenciais antecipadas de 18 de Março.
A polícia foi a primeira a intervir, mas depois chegaram militares, que segundo testemunhas no local, agrediram os agentes policiais que se encontravam no local para a manutenção da ordem. Segundo o tenente Jorge Piter, chefe da divisão de informação da Polícia de Ordem Publica (POP) de Bissau, o que se passou em frente à sede da CNE "é muito lamentável".
"Chegámos aqui, vimos a manifestação dos jovens, tentámos falar com eles mas não nos entendemos, aí disparámos granadas de gás lacrimogéneo, um procedimento normal em circunstâncias destas. Mas de repente fomos invadidos por militares com metralhadoras e tudo. Começaram logo a disparar as suas armas, com balas reais", contou Jorge Piter.
Os jovens, enquadrados por alguns líderes de partidos da oposição, estavam a manifestar a sua indignação pelo facto de os seus nomes não constaram nos cadernos eleitorais para as presidenciais de 18 de Março. A CNE diz que não pode actualizar os cadernos eleitorais por falta de tempo.
"Este procedimento dos militares é estranho e não ajuda em nada a imagem do país. Porque se uma força chega a m lugar a primeira coisa que deve fazer é tentar saber junto da força que lá encontrou o que se passa", disse o polícia Jorge Piter.
De acordo com este tenente, vários colegas ficaram feridos. Alguns foram levados mesmo pelos soldados. "Não sei para onde foram levados e nem quantos são", acrescentou Jorge Piter.
"No total éramos cerca de 15 homens aqui na CNE, mas apenas eu e o meu colega não fomos atingidos pela acção dos militares porque estávamos no gabinete do presidente da CNE a tentar capturar o líder desta manifestação", contou ainda Jorge Piter.
O alegado líder da manifestação, que a polícia diz não ter sido autorizada, é Alfa Djaló, candidato próximas presidenciais antecipadas.
Djaló tem dito que mais de 100 mil jovens guineenses ficaram de fora nas eleições. O Gabinete Técnico de Apoio Processo Eleitoral, pela voz do seu director, Alen Sanca, já desmentiu esses números apontando para cerca de 57 mil jovens os que não vão poder votar.
Militares contra polícias, jovens que não podem votar, agressões tiros e actos similares já não constituem novidade na Guiné-Bissau. Também a passividade internacional, sobretudo dessa coisa aberrante que dá pelo nome pomposo de Comunidade de Países de Língua Portuguesa, não é novidade.
Seja qual for a crise, a resposta é sempre a mesma. Não se cura a enfermidade mas apenas se alivia a dor. Isto até que o doente pura e simplesmente... morra.
A tese é a de que os guineenses podem ser alimentados com votos, que as crises se resolvem com votos e que os votos são um milagroso remédio que cura todos os males.
O Ocidente, e neste caso particular da Guiné-Bissau a CPLP e sobretudo Portugal, sabe que África teve, tem e continuará a ter uma História de autoritarismo que, aliás, faz parte da sua própria cultura e que em nada preocupa os fazedores da macro-política que se passeiam nos areópagos dos luxuosos hotéis do mundo.
Apesar disso, teima-se em exportar a democracia “made in Ocidente”, sem ver que a realidade africana é bem diferente. Vai daí, pela força dos votos os ditadores chegam ao Poder, ficam eternamente no poder e em vez de servirem o povo, servem-se dele. Ma como, supostamente, foram eleitos...
Mas será isso democracia? Por que carga de chuva ninguém se lembra que, por exemplo, na Guiné-Bissau as escolhas não são feitas com o cérebro mas com a barriga, ainda por cima vazia, com uma AK-47 encostada às costas?
Foi neste contexto que “Nino” Vieira (tal como, entre muitos outros, José Eduardo dos Santos e Robert Mugabe) chegou a presidente e, tal como o seu homólogo, mentor e amigo angolano, por lá queria continuar com o beneplácito da tal Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
A estratégia de “Nino” Vieira falhou, mas outras aí estão no terreno com inegável pujança e com a histórica cobertura dos donos do poder em Portugal, na CPLP e no mundo.
Se os votos são comprados, isso pouco interessa. Se os guineenses votam em função da barriga vazia e não de uma consciente opção política, isso pouco interessa.
Para quem vive bem, para quem tem pelo menos três refeições por dia, o importante foi e será que os guineenses votem. Não importa o que aconteceu antes, o que está a acontecer agora e que voltará a acontecer um dia destes.
Não será, aliás, difícil antever que o sangue do povo guineense voltará a correr. Mas o que é que isso importa? O que importa é terem votado...
Será que Kumba Ialá tinha razão quando, em 17 de Junho de 2009, acusou o PAIGC de ser responsável pela morte de Amílcar Cabral, "Nino" Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó?
"Carlos Gomes Júnior e o seu candidato (Malam Bacai Sanhá) têm que responder no Tribunal Penal Internacional pelas atrocidades que estão a cometer", no país, defendeu nesse dia Ialá, acrescentando que "há pessoas a quererem vender a Guiné-Bissau", mas esclarecendo que "serão responsáveis pelas turbulências que terão lugar no futuro".
Sendo certo que não adianta chorar sobre leite derramado ou que, como acontece na Guiné-Bissau, o pão dos pobres nunca cai com a manteiga virada para baixo (se dois em cada três vivem na pobreza absoluta, não têm nem pão e muito menos manteiga), o importante é haver eleições.
Que conclusões terá tirado a CPLP e Portugal quando Carlos Gomes Júnior, o actual primeiro-ministro, disse que “era impossível coabitar com “Nino” Vieira que não passava de um bandido e de um mercenário que traiu o povo"?
Que conclusões terá tirado a CPLP e Portugal ao saber que, tal como se passou nas eleições angolanas, também “Nino” conseguiu em alguns círculos ter mais votos do que eleitores registados?
Pelos vistos à CPLP e a Portugal apenas interessa que se vote, nem que para isso se chamem os mortos, tal como aconteceu e acontecerá em Angola.
Se os votos forem comprados, isso pouco interessa. Se os povos votarem em função da barriga vazia e não de uma consciente opção política, isso pouco interessa.
Aliás, basta ver que a União Europeia, tal como a CPLP, enche o peito contra os fracos, Bissau, e põe-se de cócoras perante os fortes, Luanda.
Dá-me vontade de rir quando leio que a UE "insta" a Guiné-Bissau a proceder à investigação judicial dos acontecimentos ocorridos em 1 de Abril de 2010, por exemplo, e a "reforçar os esforços para resolver o problema da impunidade".
Isto porque a UE ainda não viu (já não falo da CPLP que é cega) que não há maior estado impune do que Angola, ainda não sabe que o regime de Eduardo dos Santos é dono e senhor do país e do povo, ainda não foi informada que Angola é um dos países mais corruptos do mundo.
Tudo isto que tem como palco a Guiné-Bissau é, afinal, a reedição de um filme já gasto de tanto ser usado. Vão mudando os protagonistas principais mas o argumento é sempre o mesmo. E se o argumento é o mesmo, o fim será idêntico: mais uns tiros e mais uns dirigentes mortos.
Exagero? Talvez. Deus queira que sim. Mas a verdade é que na Guiné-Bissau nenhum candidato, nenhum presidente, acabou o seu mandato e em 17 anos o país já teve sete presidentes.
Por alguma razão, o ex-chefe do Governo guineense, Francisco Fadul, considerava que, face ao estado em que se encontra a Guiné-Bissau, as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituindo um protectorado pelo período mínimo de 10 anos, "para que não haja recidivas, não haja retrocessos".
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