O Presidente da República portuguesa, Cavaco Silva, disse hoje ter ficado "um pouco surpreendido"om os números do desemprego apresentados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística. A taxa ficou nos 14% no último trimestre de 2011.
Nos intervalos das contas para saber se arrecada o suficiente para as despesas, Cavaco Silva lá vai dizendo coisas, embora melhor fora que ficasse caladinho.
No dia 6 de Novembro do ano passado, ou sei que já foi há muito tempo, o Presidente da República disse que tem "grande esperança" que o espírito de solidariedade dos portugueses permita "demonstrar à Europa e às instituições internacionais" que o país "é capaz de ultrapassar as dificuldades", considerando que "os próximos tempos podem ser insuportáveis".
Se ele diz… é mesmo assim, mesmo considerando que nada tem a ver com o estado do país. Recém-chegado à vida das ocidentais praias lusitanas, Cavaco Silva aponta o rumo, mesmo mão estando ao leme.
Se calhar há quem pense que Cavaco é co-responsável pelo afundanço do país. Mas não é. Ele só foi primeiro-ministro de 6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de 1995, e só venceu as eleições presidenciais de 22 de Janeiro de 2006 e só foi reeleito a 23 de Janeiro de 2011. Coisa pouca, portanto.
Cavaco Silva apelou (e apelos é com certeza uma das principais prerrogativas constitucionais do presidente) ao "esforço de todos" e acrescentou que são extensas, eventualmente gregas, as dificuldades que esperam os portugueses.
"Os próximos tempos podem ser insuportáveis para alguns dos nossos concidadãos, em especial os reformados (aqui estava pensar nele) e os desempregados", disse o presidente da República, muito preocupado (segundo a interpretação dos jornalistas que o ouviram) com os "filhos de casais desempregados".
Embora como homem do leme a sua função, ao que parece, se limite a constatar o óbvio, fica sempre bem ter uma palavra para 1.200 mil desempregados, para os 20% de escravos que vivem na miséria e, ainda, para os outros 20% que ainda acreditam ser possível viver sem comer.
Cavaco Silva referiu nessa altura as situações que resultam da perda do emprego, da quebra de rendimentos das famílias e da emergência de novos pobres, tendo feito uma referência explicita à "insuficiência alimentar" de alguns portugueses, sublinhando que conta com o empenho do poder do local e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) para contornar as dificuldades.
“Insuficiência alimentar” revela uma desconhecida faceta de Cavaco Silva, a poesia. Dizer a quem passa fome que apenas padece de "insuficiência alimentar" é, digamos, uma poética forma de juntar à barriga vazia dos portugueses um atestado, em papel timbrado da Presidência da República, de menoridade ou estupidez.
"Tenho grande esperança no espírito solidário dos portugueses e na acção das câmaras municipais, que estão a ser chamadas a dar resposta a situações que resultam do desemprego, da queda do rendimento das famílias, da emergência de novos pobres e da acção das IPSS. Com esse espírito de solidariedade havemos de mostrar à Europa e às instituições internacionais que somos capazes de ultrapassar os nosso problemas", notou Cavaco Silva.
Tem razão. Consta, aliás, que Cavaco Silva (que em termos vitalícios só tem direito a 4.152 euros do Banco de Portugal, a 2.328 euros da Universidade Nova de Lisboa e a 2.876 euros de primeiro-ministro) terá até decido que, por solidariedade com os que sofrem de “Insuficiência alimentar”, toda a sua equipa vai passar a fazer greve de fome… entre as refeições.
Ao nível político, o Presidente da República defendeu, reparem só na perspicácia de Cavaco Silva, um "diálogo frutuoso e construtivo" no Parlamento sobre o Orçamento do Estado para evitar "custos insuportáveis" para uma parte da população.
Aníbal Cavaco Silva disse mesmo pensar ser esse entendimento algo "da maior importância para preservar a coesão social e criar um ambiente social menos negativo" no país.
Certamente que, com diálogo e entendimento, a “insuficiência alimentar” dos que já só sonham com uma refeição será mais fácil de digerir. Estou memo a ver muitos portugueses a arrotar de satisfação depois de sonharem com um prato de comida.
Por deficiência congénita e ancestral, os portugueses são de uma forma geral um povo de brandos costumes que, quase sempre, defendem a tese de que “quanto mais me bates mais gosto de ti”.
Mesmo agora que está esquelético como resultado da “insuficiência alimentar”, continuam a achar que o seu fado é serem cidadãos de segunda que tudo devem fazer para agradar aos seus donos.
Talvez um dia acordem com a barriga de tal modo vazia a ponto de mostrem que estão fartos de quem em vez de os servir… só se serve deles. Não sei se isso acontecerá. Mas que, pelo menos em tese, os portugueses também têm direito à Primavera, isso têm.
É certo que em Portugal aumenta o número dos que pensam que a crise (da maioria, de quase sempre os mesmo) só se revolve ou a tiro ou elegendo um ditador. Até os militares sonham, embora em silêncio e com as paredes do cérebro insonorizadas, que essa é uma alternativa.
Mesmo que assim seja, se calhar os responsáveis pela tragédia (como é o caso, entre outros, entre muitos outros) de Cavaco Silva, José Sócrates, Passos Coelho e Paulo Portas, vão continuar a ter pelo menos três boas refeições por dia e chorudas pensões vitalícias.
Seja como for, começa mesmo a ser altura de os portugueses porem os seus políticos a pão e água ou, talvez, a farelo. Seria, aliás, uma boa forma de melhorar a “insuficiência alimentar”.
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