O presidente da República de Portugal sublinha, em entrevista a um diário austríaco “Die Presse”, o esforço do Governo em cumprir o programa da troika e a responsabilidade dos portugueses, mas reconhece que o que causa maior “apreensão” são os efeitos da austeridade.
Portugal não tem economia, mas tem ministro da Economia. Já não falta tudo. Não tem presente, não sabe se terá futuro mas (o que já não é mau) teve passado. Foi dos primeiros a acabar com a escravatura mas agora, na sua qualidade de protectorado, volta a instituir pela mão da dupla Cavaco e Coelho o regime esclavagista.
Mas, como se vê, tem a vantagem de ter um presidente discreto e preocupado. E por ser tão discreto é que os portugueses não sabem o que tem andado Cavaco Silva a fazer, pelo menos desde Março de 2002, para além de – com um rótulo de “apreensão” – gozar com a miséria dos outros.
E, como se não bastasse aos portugueses estarem a aprender a viver sem comer, ainda têm de gramar com as teorias do actual presidente da República, Cavaco Silva, que quando deixa de ser discreto apenas consegue dizer que em Portugal existe “insuficiência alimentar”.
Dizer a quem passa fome que apenas padece de "insuficiência alimentar" é, digamos, uma poética forma de juntar à barriga vazia dos portugueses um atestado, em papel timbrado da Presidência da República, de menoridade ou estupidez.
Consta, aliás, que Cavaco Silva (que em termos vitalícios só tem direito a 4.152 euros do Banco de Portugal, a 2.328 euros da Universidade Nova de Lisboa e a 2.876 euros de primeiro-ministro) terá até decidido que, por solidariedade com os que sofrem de “insuficiência alimentar” e de forma a poupar para as suas despesas, vai passar a fazer greve de fome… entre as refeições.
Que fique igualmente claro que Cavaco Silva nada tem a ver com o estado a que Portugal chegou. E não tem, registe-se, porque só foi primeiro-ministro de 6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de 1995, só venceu as eleições presidenciais de 22 de Janeiro de 2006 e só foi reeleito a 23 de Janeiro de 2011.
Sempre que fala, directa ou indirectamente, de forma mais ou menos discreta, mesmo que seja para – como defende o seu consultor Fernando Lima – responder a jornalistas domesticados, Cavaco Silva sacode a água do capote e continua impávido e sereno a gozar com os matumbos do reino.
"Eu disse que se devia ter em conta o limite que se pode exigir ao cidadão comum", e é relativamente a esses "que nós temos que pensar como, neste tempo de dificuldades, assegurar uma vida digna", diz o presidente.
O presidente da República defende, também, um "debate aprofundado" e "com muito bom senso" na Assembleia da República (AR) em matéria fiscal e de justiça fiscal, para evitar "erros" prejudiciais ao país.
"A competência exclusiva em matéria fiscal cabe à AR e o que eu aconselharia é que, nesse domínio, se faça um debate aprofundado, com muito bom senso, tendo presente todas as consequências para o desenvolvimento futuro do nosso país", disse.
O chefe de Estado lembrou que, "às vezes" se cometem "erros", como "já aconteceu noutros países no domínio fiscal", os quais "têm consequências muito negativas para o futuro do país, prejudicando as possibilidades de aproximação aos níveis de desenvolvimento da União Europeia".
Será que os portugueses se recordam que o mesmo Cavaco Silva afirmou que o mal da economia portuguesa estava nas finanças públicas, mas que o "medo" dos políticos dificultava a sua correcção, malgrado defender um quase poder de veto para o ministro das Finanças?
Recordam-se que o também ex-líder do PSD e ex-primeiro-ministro considerava, em Março… de 2002, que Portugal tinha no máximo um ano e meio para inverter a tendência de degradação da situação económica?
Para o também economista, professor universitário e presidente da República, seria, contudo, "muito complicado" para o Governo resolver "o problema mais grave" que afecta a economia portuguesa: a crise nas finanças públicas. Recordam-se?
Será que também se recordam de ele ter dito que “os políticos, como pessoas normais que são, têm medo, e será precisa muita coragem política para adoptar políticas necessárias, mas cuja viabilidade política é duvidosa"?
Ou que Cavaco Silva dizia que a solução passava, necessariamente, por "reforçar os poderes do ministro das Finanças", que devia contar com o apoio incondicional do primeiro-ministro e dispor "de um poder quase de veto sobre os restantes ministérios"?
Recordam-se que também foi ele quem afirmou que o objectivo era assegurar a concretização de medidas que se antevêem impopulares, como as reformas da saúde - apostando na gestão privada dos hospitais públicos - e educação, a extinção de alguns serviços públicos, a contenção nas transferências para as autarquias, o equilíbrio das contas externas e o assegurar de "disciplina" nas empresas públicas?
Ou que era necessário acompanhar "quase à semana o endividamento de determinadas empresas públicas, nomeadamente no sector dos transportes e do audiovisual”?
Recordam-se ainda que Cavaco Silva defendia, quanto à evasão e fraude fiscais, como única solução viável "um claro levantamento do sigilo bancário" sustentando que, mesmo face ao risco de fuga de capitais, "em situação de crise" esta medida se impõe?
E então, se Cavaco Silva afirmava tudo isto há quase dez anos, é caso para perguntar, para voltar a perguntar, para nunca deixar de perguntar, o que tem andado Cavaco Silva a fazer pelo menos desde Março de 2002, para além de gozar com a miséria dos outros?
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