Escreve o insuspeito porta-voz do regime angolano, o Jornal de Angola, que o presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, “reconheceu e enalteceu o desempenho da presidência angolana à frente da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”.
Não é caso para menos. Elogiar os bons trabalhos de um país que tem na presidência o único presidente da Lusofonia que, apesar de estar há 32 anos no poder, nunca foi eleito, é digno do Portugal de hoje.
Diz o JA que Cavaco Silva “felicitou no seu discurso a forma empenhada como Angola tem conduzido o seu mandato na presidência da CPLP”, acrescentando: “Quero dar público o meu reconhecimento, como Presidente da República e como cidadão da CPLP (…) à presidência angolana, que fez deste objectivo uma das prioridades, e ao secretariado executivo, a minha palavra de apreço”.
Tanto quanto se sabe, também os perto de 70% de angolanos que vivem na miséria enalteceram o papel do seu “querido líder”, embora não se saiba se o fizeram em relação ao desempenho no âmbito da CPLP ou em relação aos restos de comida que encontraram nos caixotes do lixo.
Mas, como bem realça o JA, é de registar o elogio de Cavaco Silva, certamente reconhecendo que Angola é um exemplo de democracia, de um estado de direito, de plenas liberdades, de equidade social, de honorabilidade na gestão do país, de paradigma na luta contra e corrupção e na transparência das instituições.
Creio, aliás, que Cavaco Silva até tinha preparado um discurso em que desmontava as demoníacas teses daqueles que, como eu, dizem que 68% dos angolanos são afectados pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças.
Ou ainda aquelas que salientam que apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico; que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade; que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.
Creio que também Pedro Miguel Passos Relvas Coelho tinha preparado um discurso em que desmontava as teses daqueles que, como eu, afirmam que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos; que a dependência socioeconómica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos.
Ou que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda; ou que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
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