O meu amigo (desculpa porque sei que, embora sendo verdade, outros teus amigos não gostam) Emanuel Lopes entende que a democracia morreu ontem, hoje que seja, em Angola. Penso de maneira diferente.
Isto é. Qualquer coisa para morrer teve de estar viva. Ora, em Angola a democracia nunca existiu, nunca teve vida e – por isso – não pode ter morrido.
Também é certo que o Emanuel Lopes reconhece que, “se quisermos ser perfeccionistas”, o que morreu foi “a esperança de que um dia haveria democracia em Angola”. Assim está melhor.
“Para existir democracia, não basta haver partidos de oposição (Salazar também os admitiu a certa altura), não basta haver comunicação social independente (Salazar também a suportava), em particular se esta está tão condicionada pelo poder que não pode ser ouvida ou lida pelo Povo”, escreve Emanuel Lopes.
Tem razão. Ele achou por bem ir buscar o exemplo de António Oliveira Salazar mas, digo eu, poderia ser muito mais actual e ir buscar a actual situação de Portugal onde há partidos da oposição, onde há comunicação social (in)dependente mas, é claro, não há democracia.
Aliás, um país que tem 20% da sua população com a miséria sentada à mesa de pratos vazios, que tem mais de 700 mil desempregados, que privilegia o primado da subserviência e não o da competência poderá ser tudo menos, creio, uma democracia.
“Para haver democracia, diz o Emanuel Lopes, é preciso que o poder não seja exercido por uma só pessoa (a isso chama-se ditadura), é preciso que o poder legislativo seja eleito, é preciso que o poder executivo seja eleito, ou que emane do poder legislativo eleito”.
A razão continua do seu lado. Mas desde 1975 alguma vez o poder em Angola deixou de ser exercido por uma só pessoa? Alguma vez o poder legislativo foi eleito sem que os angolanos (70% vivem na miséria) “votassem” com a barriga?
Diz o Emanuel Lopes em relação a Angola (mais coisa menos coisa poderia ser em Portugal) que “para haver democracia é preciso que o poder judicial seja independente, é preciso que o Povo saiba quem elege ou quem não elege”.
Poder judicial independente nunca houve em Angola e o Povo apenas sabia, sabe, que vota em quem lhe dá um saco de fuba. Antes “votava” nos que lhe davam peixe podre, fuba podre, 30 angolares e porrada se refilares”.
Pela nova “Constituição” do MPLA (dizer que é de Angola é o mesmo que dizer que é o povo quem manda na Sonangol), o Presidente da República é o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.
De facto, como alerta o Emanuel Lopes, não é uma eleição indirecta, feita pelo parlamento (como acontece por exemplo na República da África do Sul), mas uma vigarice típica dos regimes a quem não basta ser totalitário.
Assim, o futuro presidente é o primeiro deputado da lista do partido mais votado, mesmo que esse partido tenha apenas 25% dos votos expressos. Diz o Emanuel Lopes que, por outras palavras, José Eduardo dos Santos, com medo de perder as eleições presidenciais, acaba com elas.
Não creio que seja medo. Não me admirava que, pela prática conseguida nas legislativas de 2008, o MPLA consiga o que então registou apenas em alguns círculos: mais de 100 por cento.
Além disso, tanto o MPLA como Eduardo dos Santos só tiveram medo até 2002, altura em que conseguiram assassinar o único político e chefe militar capaz de pôr a tremer cubanos, russos, coreanos, brasileiros, portugueses etc..
Pela nova “Constituição do MPLA” o Presidente de Angola nomeia o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos destas.
O que é que tu querias, caro Emanuel Lopes? Se é ele o dono de Angola, se a filha Isabel é quase dona de Portugal, se a Sonangol é quase dona de muitas coisas que se desconhecem, porque carga de chuva não deveria ser ele a escolher os chefes de posto, os sipaios e toda a restante rapaziada?
Aliás, tu próprio reconheces que, “na verdade o sr. engº dos Santos já fazia tudo isto, ilegalmente é verdade, como Bokassa, Idi Amin ou Mobutu”. Não sei, por iso, a estranheza de ele agora passar a fazê-lo de forma supostamente legal.
É claro que, como muito bem dizes, os amigos como José Sócrates, Cavaco Silva ou Obama vão felicitá-lo por esta nova “democracia”. Vão, é claro. Mas se eles existissem hoje fariam o mesmo em relação a Idi Amin, Mobutu ou Bokassa.
De facto, trata-se da mais um exemplo triste para Angola. É a vida. Quem nos ensinou que era preferivel morrer a ser escravo... já cá não está. Por isso...
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