domingo, janeiro 31, 2010

O circo provinciano da discriminação
(Prémio José Rodrigues Migueis 2010)

Fiquei estupefacto ao ler no Alto Hama, as regras de um concurso público, promovido pela Fundação Luso-Americana, o Prémio José Rodrigues Migueis 2010.

Por José Filipe Rodrigues

O evento destina-se a “produtores portugueses de conteúdos de linha branca que devem obedecer aos seguintes requisitos: ter idade até 40 anos, carteira profissional e, no mínimo, cinco anos de experiência profissional, bem como um bom domínio das línguas portuguesa e inglesa.”

Os felizes contemplados vão estagiar nos Estados Unidos da América do Norte entre 21 de Junho a 7 de Julho, no Committee of Concerned Journalists, em Washington DC, com alguns dias de contactos com o sistema político, social e económico norte-americano.

A selecção dos candidatos vai ser feita por um júri de iluminados que aceitaram demonstrar o seus poderes mágicos no Circo Provinciano da Descriminação: António José Teixeira (SIC Notícias), Cesário Borga (RTP), Carla Baptista (Universidade Nova de Lisboa), Ricardo Rodrigues (Notícias Magazine) e Sara Pina (Universidade Lusófona), coordenadora e representante da FLAD.

A parte tristemente cómica deste estágio destinado a Jornalistas é de que ele vai decorrer num país onde os candidatos não podem ser excluídos por terem uma idade superior aos “ 40 anos.”

Nos USA, este seria um motivo para meter o Programa José Rodrigues Miguéis em Tribunal e ganhar o caso facilmente: DiSCRIMINAÇÃO PELA IDADE...

É triste, muito triste, que Portugal, um país com uma cultura tão rica, tenha como timoneiros e gestores de mentalidades tantos atrasados no desenvolvimento mental, social, e empresarial, querendo transformar a Pátria, não em mãe, em prostituta. Tudo em nome de uma igualdade sem dignidade.

Ao mesmo tempo, acho muito estranho de que a população de profissionais da comunicação social aceite ser discriminada por regras atentatórias da dignidade humana e civilizacional.

O mais triste é que para as muitas das situações parasitárias, na República e na Democracia, não haja limite de idade. Os actores do status quo oligárquico, quando perdem eleições ou são despedidos de cargos governamentais, têm sempre a possibilidade de serem reciclados para posições de chefia em Fundações, como Governadores Civis, nos Parlamentos Europeu ou Nacional, como gestores de empresas públicas ou privadas, ou reconduzidos em posições de Estado, com competência dúbia.

Como dizia o Pessoa, “ó Portugal, hoje és nevoeiro...”

Quando trabalhei em psiquiatria, em Providence, beneficiando do facto de não poder ser descriminado pela idade, nem na formação profissional, nem no emprego, conheci o Carlos. Ele era um dos meus colegas envolvido no tratamento de clientes, um italo-luso-americano recentemente regressado aos Estados Unidos, descontente com a cultura laboral portuguesa. O Carlos relembrou-me de que em Portugal ainda é possível colocar nos jornais um anuncio do tipo:

- “Os candidatos, com idade não superior a 30 anos, devem enviar o curriculum vitae e uma fotografia tipo passe, recente.”

Eu já me tinha esquecido de que no meu país, governado por digerentes, a fotografia e a idade (e talvez o género sexual e o estado civil) são muito importantes para avaliar a competência. Perdoem-me o meu esquecimento acerca da minha minha cultura de origem.

Aqui na América, com menos Novas Oportunidades do que vulgarizadas pelo governo português, não se pergunta a idade nem se pede fotografia nos processos de candidatura. Essa curiosidade dos empregadores é punível, em Tribunal, com excelentes indemnizações para os lesados.

No dia em que escrevo esta crónica, recebi um convite para ir trabalhar no Japão. A empresa que me contactou exige competência profissional e não me perguntou a idade nem as minhas características fisionómicas.

Eu não aceitei porque a minha família e as crianças de quem estou encarregado para o desenvolvimento de capacidades, com diferentes atrasos, são muito mais importantes, para mim, do que ir trabalhar no Japão.

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