O secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal (o tal que, enquanto governante, e só depois de ele estar morto, teve a “coragem” de dizer que Jonas Savimbi foi um Hitler africano), João Gomes Cravinho, dz que Portugal não interfere nos assuntos de Cabinda e que estes pertencem ao dominio da soberania angolana.
Irra! Apre!, Chiça! Se a ignorância, a desonestidade intelectual e a falta de carácter político valessem alguma coisa material, certamente que João Gomes Cravinho dava um decisivo contributo para acabar com o défice de Portugal.
"Portugal não tem nada a ver com a questão de Cabinda. é um assunto de soberania angolana", afirmou João Gomes Cravinho à Lusa. Será mesmo a ignorância que leva este membro do Governo português a tapar a escuridão com uma peneira?
A política “made in Portugal” é pródiga nos políticos que, em biscos de pés, procuram estar na ribalta como se de verdadeiros stradivarius se tratassem. No entanto, quando vistos com atenção descobre-se que não passam de instrumentos de lata comprados por tuta-e-meia em qualquer feira da ladra.
Tenho dúvidas que João Gomes Cravinho saiba ler mais do que aquilo que manda a cartilha oficial do regime, tento fazendo neste caso ser a do PS ou a do MPLA. Mesmo assim, aqui vai mais uma vez algo que poderá ajudar os governantes portugueses a perceberam algo sobre Cabinda.
Consciente das dificuldades de entendimento, procurarei ser simples de modo a não obrigar esses governantes a terem de se descalçar para contar até doze...
Os cabindas continuam a reivindicar, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a independência do seu território. No intervalo dos tiros, e antes disso de uma forma pacífica, nomeadamente quando Portugal anunciou, em 1974, o direito à independência dos territórios que ocupava, a população de Cabinda reafirma que o seu caso nada tem a ver com Angola.
Em termos históricos, que Portugal parece teimar em esquecer por mera ignorância ou por imposição petrolífera dos novos donos do país, Cabinda estava sob a «protecção colonial», à luz do Tratado de Simulambuco, pelo que o Direito Público Internacional lhe reconhece o direito à independência e, nunca, como aconteceu, a integração em Angola.
Relembre-se que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstâncias muito diferentes, para além de serem mais as características (étnicas, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as que os unem.
Acresce a separação física dos territórios e o facto de só em 1956 (oito anos antes do nascimento de João Gomes Cravinho), Portugal ter optado, por economia de meios, pela junção administrativa dos dois territórios.
A procura da independência data, no entanto, de 1956. Quatro anos depois da união administrativa com Angola, forma-se o Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC) e em 1963, dois anos depois do início da guerra em Angola, são criados o CAUNC - Comité de Acção da União Nacional dos Cabindas e o ALLIAMA - Aliança Maiombe.
A FLEC - Frente de Libertação do Enclave de Cabinda é fundada nesse mesmo ano, como resultado da fusão dos movimentos existentes e de forma a unir esforços que sensibilizassem Portugal para o desejo de independência. Era seu líder Luís Ranque Franque.
Alguns observadores referem, a este propósito, que o programa de acção da FLEC (elaborado na altura da junção de todos os movimentos cabindas) era nos aspectos político, económico, social e cultural muito superior aos dos seus congéneres angolanos, MPLA e UPA.
Cabinda, ao contrário do que se passou com Angola, foi «adquirida» por Portugal no fim do Século XIX, em função de três tratados: o de Chinfuma, a 29 de Setembro de 1883, o de Chicamba, a 20 de Dezembro de 1884 e o de Simulambuco, a 1 de Fevereiro de 1885, tendo este anulado e substituído os anteriores.
Recorde-se que estes tratados foram assinados numa altura em que, nem sempre de forma ortodoxa, as potências europeias tentavam consolidar as suas conquistas coloniais. A Acta de Berlim, assinada em 26 de Fevereiro de 1885, consagrou e reconheceu a validade do Tratado de Simulambuco.
No caso de Angola, a ocupação portuguesa remonta a 1482, altura em que Diogo Cão chega ao território. E, ao contrário do que se passou em Cabinda, a colonização portuguesa em Angola sempre teve sérias dificuldades e constantes confrontos com as populações, de que são exemplos marcantes, nos séculos XVII e XVIII, a resistência dos Bantos e sobretudo da tribo N' Gola.
É ainda histórico o facto de a instalação dos portugueses em Angola ter sido feita pela força, sem enquadramento jurídico participado pelos indígenas, enquanto a de Cabinda se deu, de facto e de jure, com a celebração dos referidos tratados, subscritos pelas autoridades vigentes na potência colonial e no território a colonizar.
Segundo a letra e o espírito do Tratado de Simulambuco, assinado por princípes, governadores e notáveis de Cabinda (e pacificamente aceite pelas populações), o território ficou «sob a protecção da Bandeira Portuguesa». Vinte cruzes e duas assinaturas de cabindas e a do comandante da corveta «Rainha de Portugal», Augusto Guilherme Capelo, selaram o acordo.
Duvida-se que a terminologia jurídica de então, e constante do tratado, tenha sido percebida pelos subscritores cabindas. No entanto, crê-se que a síntese do texto tenha sido entendida, já que se referia apenas à «manutenção da autoridade, integridade territorial e protecção».
No contexto histórico da época, o Tratado de Simulambuco reflecte tanto à luz do Direito Internacional como do interno português, algo semelhante ao dos protectorados franceses da Tunísia e de Marrocos.
Apesar da anexação administrativa, Cabinda sempre foi entendida por Portugal como um assunto e um território distintos de Angola. A própria Constituição Portuguesa, de 1933, cita no nº 2 do Artigo 1 (Garantias Fundamentais), Cabinda de forma específica e distinta de Angola.
Partindo desta realidade constitucional, a ligação administrativa registada em 1956 nunca foi entendida como uma fusão com Angola.
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