Os bancos estrangeiros estão a financiar o regime angolano com empréstimos garantidos por petróleo da Sonangol, sem considerar a transparência no uso do dinheiro ou benefícios para a população, afirma a Global Witness em relatório hoje divulgado.
É sembre bom, apesar de tudo, ver que o que aqui tem sido dito, tal como em mais alguns (poucos) sítios, corresponde à verdade. Verdade que tanto chateia os que tiveram o “privilégio” de nascer com coluna vertebral amovível.
"Ao disponibilizar empréstimos com garantia petrolífera à Sonangol, grandes consórcios bancários fizeram com que o país hipotecasse a sua futura riqueza petrolífera, em troca de dinheiro sem qualquer transparência sobre a forma como o dinheiro é usado", afirma a organização não-governamental no relatório "Undue Dilligence: Como os bancos fazem negócios com regimes corruptos", que documenta também casos como os da Guiné Equatorial, Congo Brazzaville ou Turquemenistão.
É claro que, na circunstância, nem Cavaco Silva, nem José Sócrates e muito menos José Eduardo dos Santos dão crédito a este relatório. Quando muito interrogar-se-ão sobre a razão pela qual a Sonangol ainda não comprou estes arautos da Global Witness.
Angola e a sua "companhia petrolífera opaca", adianta, é "exemplo chave" de receitas petrolíferas desbaratadas e "postas ao serviço de um Estado-sombra onde o único resultado real para a maioria da população é a pobreza", sendo os bancos "cúmplices" no esquema, "parte da estrutura que permite que isso aconteça".
Pois. É exactamente o que, numa peregrina missão de pregar no deserto, tem sido escrito aqui no Alto Hama.
As contas da Global Witness, com base apenas em informação tornada pública, indicam que nos últimos cinco anos Angola recebeu pelo menos 13,9 mil milhões de dólares em empréstimos financiados por petróleo - BNP Paribas, Commerzbank, Banco Espírito Santo, Barclays, Deutsche Bank, Millennium Bcp ou Banco de Desenvolvimento da China ou China Exim são alguns dos credores.
Apesar de alguns progressos, salienta, "a má gestão e corrupção nas finanças públicas angolanas, particularmente no sector petrolífero, está bem documentada".
Mas, por muito bem documentada que esteja, o relatório foi escrito numa linguagem que os poderes públicos portugueses, por exemplo, não entendem. Como agora se viu em Portugal, Presidência da República, Governo e Parlamento (com excepção do Bloco de Esquerda) só percebem o texto escrito pela Sonangol, e só dão crédito à versão do MPLA.
"Na realidade, o sistema de finanças públicas angolano ainda mantém duas vias de despesa. Uma é o orçamento oficial, gerido pelo Tesouro; o outro é um sistema "não convencional" via Sonangol, que não está sujeito a escrutínio público".
Segundo a análise da organização, com base em relatórios do Fundo Monetário Internacional, todos os anos ficam por contabilizar em média 1,7 mil milhões de dólares do Tesouro angolano. A média, calculada no período entre 1997 e 2001, equivale a 23 por cento do PIB angolano. Coisa pouca...
"Os bancos podem separar-se dos riscos financeiros, mas fazendo estes empréstimos estão na realidade a contribuir para a própria situação que faz de Angola um investimento arriscado", refere a ONG.
A Global Witness recorre ao epíteto de "Estado falhado de sucesso" - da autoria do académico português Ricardo Soares de Oliveira, da Universidade de Oxford - para enquadrar uma situação de aflição social em que "em vez de contribuir para o desenvolvimento, o sucesso da Sonangol tem estado sobretudo ao serviço da presidência e das suas ambições".
A ONG abordou todos os bancos envolvidos nestes empréstimos - 12 (em 31) responderam, e o Standard Chartered aceitou mesmo reunir-se para explicar os seus critérios de concessão de crédito.
O "sub-texto das respostas é que `há sistemas de controlo implementados´", mas "a crise bancária global, que pôs a nú que os bancos não têm meios para controlar a extensão dos seus próprios compromissos financeiros, demonstra a falsidade destas alegações", acusa.
"É altura de os bancos terem de verificar o uso dos empréstimos que fazem (...) Quando uma empresa pública não disponibiliza contas independentemente auditadas e publicadas para assegurar que é feita uma avaliação de risco séria, os bancos devem ser obrigados a comunicar aos seus accionistas qual a base em que foi feita a avaliação de risco", defende a Global Witness.
Acresce que o Alto Hama, bem como mais alguns (poucos) jornalistas que não têm coluna vertebral amovível, já se “cruzou” várias vezes com a Global Witness, exactamente no deserto onde se defendem causas e não o petróleo de sangue.
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