segunda-feira, março 02, 2009

Narcotráfico, miséria e ditadura
fazem explodir a Guiné-Bissau

«A Guiné-Bissau é, ou assim tem sido, convenientemente, considerado um País pobre, débil e sem grandes recursos económicos”, afirmou ao NL o mestre em Relações Internacionais Eugénio Costa Almeida, acrescentando que, apesar disso, “tem mostrado ser um poleiro apetecível para muitos que querem o poder, seja de que forma for, e seja de que ocultos interesses possam estar por detrás desse apetite”.

Já o jornalista Orlando Castro, salienta “que os assassinatos mostram, mais uma vez, a falência de alguns organismos internacionais, caso da CPLP, bem como a preponderância de Angola que avisou Nino Vieira e até se propôs retirá-lo antes do ataque”.

Num cenário, afirma Eugénio Costa Almeida, de “várias intentonas, atentados e vitimizações que nestes 33 anos de vida o País passou, importa também não esquecer a morte de alguns oficiais generais nunca esclarecidas”.

“Sabe-se que muito do dinheiro que a Comunidade internacional forneceu à Guiné-Bissau teve destino diferente do que os doadores prescreviam. Desde palacetes vistosos a viaturas de alta cilindrada ou compra de produtos não legalmente consumíveis muitas têm sido as acusações e nada a Comunidade fez para evitar o descalabro onde caiu o País”, salienta Eugénio Costa Almeida.

Orlando Castro considera que a CPLP, por exemplo, “esquece-se que não basta pedir aos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países pobres ou, ainda, que haver eleições em que os guineenses votam com a barriga significa apenas a legitimação de uma ditadura pelos votos e não uma democracia”.

Sobre a mais do que provável possibilidade de o Senegal e ou a Guiné-Conacri estarem de olho em Bissau, Eugénio Costa Almeida lembra que “a quase certeza de bons veios petrolíferos nas costas Bissau-guineense têm levado a que países vizinhos olhem para o País como uma futura província a ser integrada nesses países”.

Orlando Castro admite como plausível o interesse dos países vizinhos, mas acrescenta a posição de Angola, “país que tem tudo, desde logo forças militares, para assumir um papel musculado na resolução de conflitos regionais, estando nesse âmbito a Guiné-Bissau”.

“O facto de dirigentes angolanos terem estado na casa de Nino Vieira antes do ataque, propondo-lhe uma fuga em segurança, revela a capacidade de Luanda em antecipar golpes e de, igualmente, saber o que se passa em vários tabuleiros”, salienta Orlando Castro.

“Se a tudo isto se juntar a situação do narcotráfico, a mistura é explosiva e ultrapassa as questões de política interna”, diz Orlando Castro, ao que Eugénio Costa Almeida junta uma pergunta:

“Onde estavam aqueles que, em tempos, derrubaram e prenderam um presidente de um país latino-americano por causa do narcotráfico? Onde estavam os polícias europeu que, periodicamente iam fazer cursos de formação a Bissau? Não tinham competências para dizer aos seus países basta? Ou as viagens também lhes eram proveitosas?”

Reforçando que “os problemas são – ou parecem indiciar – motivados por comandos de grupos empresariais de actividades pouco lícitas – recordemos o que transportavam dois aviões aprendidos e quem depois quis ficar com o seu conteúdo – e em terreno estão forças militarizadas bem armadas e, parece, decapitadas dos seus dois líderes por estes não terem sabido, ou não querido, partilhar o “seu estreito e lucrativo poleiro”, Eugénio Costa Almeida, sugere uma medida radical:

“Dado que os militares que estão na Guiné-Bissau, nomeadamente os seus quadros superiores, ainda enfermam de resquícios da guerrilha em detrimento dos modernos valores castrenses de se limitarem à defesa da integridade territorial e política do Pais e deixar o Poder aos políticos, seria conveniente que a CPLP, temporariamente, assumisse o controlo militar e recriasse umas forças armadas modernas e claramente dependentes do poder político”.

Orlando Castro concorda com esta solução, apesar de a considerar “utópica no contexto da leviana actução de algo que só serve para satisfazer o ego de meia dúzia (a CPLP)”, e salienta que “Portugal, a ONU e a CPLP – entre outros – parecem ter esquecido os crimes que Nino Vieira cometeu ao longo dos seus mandatos em que revelou, de facto e de jure, ser apenas mais um ditador”.

“Será que ninguém se lembra que Nino Vieira esteve metido até ao pescoço em crimes de sangue e de corrupção mais do que activa? Que Nino Vieira usou todo o género de truques, de golpes, para se perpetuar no poder, afastando política ou fisicamente quem lhe fez sombra, seja ele Kumba Ialá ou Carlos Gomes Júnior, líder do PAIGC e agora primeiro-ministro que em tempos disse que Nino teria sido o mentor do assassinato do Comodoro Lamine Sanha?”, pergunta o jornalista Orlando Castro.

Por último, enquanto Orlando Castro diz que os elogios agora feitos a Nino Vieira “são um atentado à dignidade e ao respeitos que os guineenses merecem”, Eugénio Costa Almeida alerta “para as movimentações que, possivelmente, poderão ser efectuadas por um antigo candidato, e sempre putativo presidente que nunca aceitou a deposição, junto de militares da sua “família” étnica para a (re)tomada do poder”.

Fonte: Notícias Lusófonas/Mafalda Sá Norton
http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=22118&catogory=Manchete

3 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada Orlando.

Não percebo porque as análises tardam em chegar... quem sabe se depois do jornal da noite, algures...

Um abraço,

SGS

Anónimo disse...

Realmente é verdade, Orlando. A memoria destes individuos é bem curta...quem nao se lembra das execuçoes suspeitas do Nino? entre outras, a bem conhecida dos balantas : Paulo Correia, Viriato Pan, Binhakarém N'tchanda (que foi meu aluno, no licéu kwam na Krumah, em Bissau), e tantos outros.
O Nino foi um dictador sanguinàrio, por isso morreu nas mesmas condiçoes.Embora eu nao seja por ajustes de contas que terminam em sangue...prefiro um bom julgamento e o "verdict"que termina com a penalizaçao merecida.
Agradeço o Orlando, e devemos continuar a gritar bem alto para que haja justiça "justa" sem re-habilitar a memoria do Nino. Ele teria sido heroi se tivesse morrido durante a luta ou logo apos, devido a valentia dele durante a luta armada, mas revelou-se um super criminoso perigoso e tirânico.
Espero que com a partida de ambos, a Guiné ressuscite e avance passo a passo, mas seguramente, sem actos sanguinàrios dos pactos "ninistas".BASTA!!!
Sem ele, a Guiné é melhor!

FLAVIO FERNANDES disse...

Commentário: narcotráfico, miséria e ditadura fazem explodir a guiné-bissau

É realmente interessante constatar que da independência do país em 1974 a esta parte, a Guiné não conheceu outro tipo de alternativa política em termos de gestão político-económica, fora do quadro da cultura dominante do PAIGC.

Com efeito todas as soluções de governação surgidas até ao momento, levaram o timbre desta organização política, para constatar isso, basta olhar para a lista dos candidatos as diferentes eleições realizadas na Guiné, quem não é ou foi desse partido?

De facto, este movimento de libertação que se assumiu como partido político nunca teve soluções em termos de gestão política sustentável do país. Toda a sua acção governativa foi baseada numa dependência total em termos de ajuda externa o que matou toda a capacidade em matéria de produção interna de riqueza nomeadamente com a destruição do aparelho produtivo colonial herdado.

Assistimos logo á seguir a independência a destruição do aparelho administrativo, nomeadamente com a desintegração do sistema educativo, da saúde etc., transformando assim o país num "pedinte", totalmente dependente do exterior, com a agravante de ter ao mesmo tempo introduzido na sociedade uma cultura da violência e da impunidade.

A grande questão que se coloca, quanto a viabilidade da Guiné como nação, prende-se sobretudo com estes factos, e fundamentalmente, com esta cultura e com os valores sociais que se enraizaram de tal forma, na actual classe política, que, para inverter a actual situação, não existem soluções milagrosas e não é um trabalho de curto prazo.

É todavia necessário e imprescindível o apoio da comunidade internacional seja ela CPLP, CDEAO, ONU e outros que devem agir de forma coordenada, ajudando a criar alternativas as forças políticas existentes no terreno.

A questão não é somente de foro castrense. É verdade que a Guiné não possui ainda um exército republicano, visto que as forças armadas e de seguranças existentes, foram criadas sobre os resquícios das forças de guerrilha com todos os seus valores e práticas.

A formação de um novo exército requer tempo e meios, mas existem passos que já foram dados e que estão a ser dados, convém continuar no sentido de permitir, que se faça uma reforma profunda nesse sector.

No entanto, a maior batalha, no quadro destas mudanças inadiáveis, é aquela que deve ser efectuada no seio da classe política, visto que esta, tem demonstrado não estar a altura de assumir as suas responsabilidades, na gestão e na condução das políticas e também e sobretudo na manutenção de um clima de paz, indispensável ao desenvolvimento do país.

É com alguma estranheza que ouvimos alguns elementos dessa classe política, que por ironia do destino, na altura da independência eram acérrimos defensores da liberdade, hoje, volvidos apenas 3 décadas, vêm defender a necessidade de colocar a Guiné sobre administração das Nações Unidas, apesar de continuarem a ser candidatos a governação do país.

É igualmente de constatar que, o nível cultural da classe política guineense é dos mais fracos da CPLP e igualmente da CDEAO. A Guiné é o de facto o único país onde é possível ser governante sendo-se analfabeto, foram vários os ministros nomeados em quase todos os governos, que não possuíam sequer a escolaridade obrigatória. Portanto, do meu ponto de vista há um trabalho enorme a fazer no sector da educação, no sentido de elevar o nível educativo e cultural dessa classe política em particular e dos guineenses em geral.
É evidente, que isso requer tempo, mas é possível a médio e a longo prazo, para isso há que investir na formação e na educação dos jovens.

Sendo este um comentário, não me vou alongar mais, mas quero deixar aqui bem claro, que as soluções para resolução do impasse político da Guiné devem partir dos próprios guineenses, só assim, a comunidade internacional terá forças para mobilizar os apoios de que o país necessita para enfrentar os problemas criados ao longo destas últimas três décadas.