Antigos combatentes manifestaram-se hoje nas ruas de Luanda, como revelam as fotos. Foi no largo da Mainga, a escassos metros do Palácio do dono de Angola.
A polícia, armada até aos dentes, impediu dentro do que lhe foi possível que os ex-militares fizessem uso de um, embora teórico, direito constitucional. As armas dispararam. Há gente ferida.
Os ex-militares militares exigem a sua integração na Segurança Social, alegando que foram desmobilizados há vários anos e que até agora continuam sem receber qualquer subsídio.
Pois é. Se a reinserção social dos ex-militares do regime é a que se vê, o que dizer em relação aos da UNITA, apesar de ter ficado acordado com o governo do MPLA nas negociações que tiveram lugar para por cobro à guerra?
Em Maio de 2010, Alcides Sakala dizia que a reinserção “continuava lenta”, acrescentando que “são situações que podem transformar-se em problemas de conflito social graves”,.
Tal como agora os ex-militares das FAPLA, a UNITA continua a chorar sobre o leite derramado. Não basta, aliás, ir muito longe para ver que quem faz acordos com a onça acaba por ser comido.
Ainda tenho bem presente, por exemplo, a noticia em que se ficou a saber que 15 196 ex-militares iriam beneficiar (o que é obra!) em 2010, de charruas, carroças, sementes agrícolas diversas e fertilizantes, para o reforço da capacidade de produção agro-pecuária nas comunidades rurais dos 11 municípios da província do Huambo.
A entrega destes instrumentos de trabalho enquadrava-se, segundo a versão do regime, na implementação do programa do governo de reforço da reintegração dos ex-militares, lançado no dia 21 de Dezembro de 2009 na comuna da Tchipipa (Huambo).
Presumindo que tamanha generosidade do MPLA (partido no poder em Angola desde 1975) também abarcaria ex-militares da UNITA, atrevi-me na altura a perguntar: Terá valido a pena ser militar da UNITA? Terá sido para isto que o mais Velho tanto lutou?
As perguntas são minhas embora julgue serem comuns a muitos desses soldados.
Terá sido para isto que tantas vezes, em Umbundu (mas não só) Jonas Savimbi dizia «ise okufa, etombo livala»? (em português, prefiro antes a morte, do que a escravatura).
Num cenário em que os poucos que têm milhões (quase todos do MPLA mas onde aparecem também alguns da UNITA) continuam a ter cada vez mais milhões e em que, no mesmo país, muitos milhões não têm sequer o que comer, não me custa a crer que a linguagem das armas volte a ser equacionada.
Mal por mal, antes a morte do que a escravatura. E se antes foi o tempo dos contratados e de os escravos ovimbundus ou bailundos irem para as roças do Norte, agora é o enxovalho para ter “peixe podre, fuba podre… e porrada se refilares”
«Sekulu wafa, kalye wendi k'ondalatu! v'ukanoli o café k'imbo lyamale!»: Morreu o mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados, ou ser escravos na terra que ajudaram a, supostamente, libertar.
E não vale a pena pensar que os alertas, ou as manifestações (de ex-militares, de jovens etc.) vão ter algum resultado prático. Isto porque é muito mais fácil ao Mundo em geral, e a Portugal em particular, negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Bem visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.
Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde 2002, o presidente vitalício (ao que parece) de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Não creio que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 33 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.
Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala ou de ter um acidente.
Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha mais alguns fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.
É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois... com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 33 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos. Até um dia, como é óbvio.
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