segunda-feira, junho 04, 2012

É suficiente enganar os portugueses


“De que fala Passos Coelho quando diz que a quarta avaliação da troika ao cumprimento do programa de assistência económica e financeira a Portugal decorreu "com bastante sucesso". Mas sucesso para quem? Se tudo afinal corre tão bem, porque é que os portugueses estão tão mal?”

Esta questão, levantada pelo meu amigo (e que amigo!) Hernâni Von Doellinger  com a sua habitual e crónica perspicácia, picou-me a memória.

Segundo o líder do CDS-PP, Paulo Portas, grande parte das medidas de austeridade foram, são, e continuarão a ser, impostas pelo memorando assinado com a troika e não são uma opção do Governo português.

Ora, o problema não é exactamente esse. Ou seja, a troika diz-me que para eu resolver a minha crise financeira só posso ter uma refeição, embora exígua, por dia.  No entanto, o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas foi mais além e obriga-me (para ficar com o problema rápida e completamente resolvido) a estar seis meses sem comer.

E tem razão. Daqui a seis meses, cumprindo o memorando, eu estaria por cá, embora bem mais magro. Se calhar não teria resolvido o meu problema. Cumprindo o memorando imposto pelo Governo, daqui a seis meses não terei qualquer problema. Já há muito terei morrido.

"É preciso ter a noção que grande parte das medidas que são discutidas não constituem uma opção do Governo, nem sequer uma alternativa à disposição do país. Constituem uma obrigação do Estado português que assinou um contrato com aqueles a quem pediu dinheiro emprestado", afirma Paulo Portas, certamente no intervalo de várias e boas refeições.

O líder do CDS-PP lembra ainda que foi o anterior Governo PS, liderado por José Sócrates, que negociou este memorando. É verdade. Negociou um ano com uma refeição por dia e não, como impõe o Governo actual, meio ano sem nenhuma refeição.

Paulo Portas também deixa de quando em vez um aviso aos socialistas: "Não vale a pena tentar fazer política com matérias do IRS, ou do IRC, ou do IVA, da electricidade e do gás, quando o partido que tenta fazer essa política foi precisamente o partido que nos conduziu à situação em que nos encontramos".

Também é verdade. Mas não deixa de ser igualmente verdade que entre viver de pão e água, como era a estratégia do PS, e viver pura e simplesmente sem comer vai, sei por experiência própria, uma abissal distância.

Se calhar devido ao local da sessão em que o líder do CDS/PP fez estas declarações (Museu do Vinho, Anadia, 17 de Setembro de 2011 ), Portas deixou-se inebriar pelos etílicos e voluptuosos aromas da demagogia ou, talvez também pela sua cada vez mais íntima relação com o “líder carismático” de Angola, pela tentação de julgar que os portugueses são pura e simplesmente matumbos.

"Quando um País chega à situação a que Portugal chegou por causa da sua despesa e por causa da sua dívida, obviamente, se assina um contrato e um compromisso com as instituições internacionais não é para hesitar, nem para duvidar, nem para fazer de conta", sustentou Portas.

E, em matéria de sustentação, o líder do CDS e ministro de Passos Coelho sabe do que fala. Desde logo porque está pouco preocupado em saber se o doente morre da doença ou da cura. Isto porque o doente nem sequer é da sua família.

"Há três meses era habitual nas instituições internacionais e na imprensa mundial ver Portugal referido imediatamente a seguir à Grécia como se fossem um conjunto. Agora é mais frequente ver que o caso Português é diferente dos outros", referiu Paulo Portas, certamente convicto de que – por exemplo – a Madeira não faz parte do reino lusitano.

O líder do CDS-PP adiantou ainda que o que distingue Portugal da Grécia é "essa atitude de querer cumprir, de saber que temos de fazer reformas e não hesitar e não querer enganar as instituições internacionais".

Nesta particular, Portas tem toda a razão. Os dirigentes de Portugal não querem enganar as instituições internacionais. Para eles é suficiente enganar os portugueses.

Sem comentários: