domingo, junho 03, 2012

O MPLA agradece, mas não em português...


“Angola é um grande país com um futuro promissor”, diz Jorge Sampaio. Mentira. É um país grande mas está longe, muito longe, de ser um grande país.

“Do ponto de vista económico, sem dúvida que Angola é um país com grande futuro, porque as taxas de crescimento assim o demonstram. O crescendo da economia angolana é evidente”, disse em tempos Jorge Sampaio num programa de opinião da RTP que, curiosamente, se chama Avenida de uma coisa que Angola não tem – Liberdade.

Seja como for, o MPLA gosta de ver os seus amigos a elogiar o regime, até porque as eleições estão à porta e do ponto de vista a imagem internacional, é sempre bom registar a apologia de figuras gradas da ex-potência colonial.

O antigo Presidente de Portugal referiu ainda que dadas as condições excepcionais que foram criadas em Angola com a conquista da paz, “é preciso ter esperança” de que vai ser um grande país, com um crescimento acima da média.

Então em que é que ficamos? É um grande país ou “vai ser um grande país”?  Adiante. Desde que o MPLA se perpetue no poder será sempre grande…

Jorge Sampaio defendeu que as relações de cooperação bilateral “devem assentar em bases sólidas e no respeito mútuo”.  Respeito esse que, vê-se logo, blinda qualquer tipo de crítica ao facto de Angola não ser uma democracia, não ser um estado de direito e ter, aliás, um presidente não eleito há 33 anos no poder.

E se, não há muito tempo, o ex-Presidente da República dizia-se "nada satisfeito com a qualidade da democracia" no seu país, onde a sociedade civil é "pouco actuante" e os poderes políticos são influenciados por "sectores corporativos", como o da justiça, o que dizer de Angola?

E se, de facto, na política “made in Portugal”, os seus actores (a grande maioria medíocre) estão para se servir e não para servir, o que dizer de Angola?

"Não estou nada satisfeito com a qualidade da democracia, temos que a requalificar, revitalizar. A começar pela renovação das dinâmicas e das estruturas partidárias. E há uma remobilização dos cidadãos que é necessária", sustentou Jorge Sampaio, em entrevista à Antena 1 em 21 de Abril de 2010.  Será que Sampaio já pensou o que, também nesta matéria, se passa em Angola?

Em consciência nenhum português deve estar satisfeito com a qualidade dessa coisa que, em Portugal, se chama democracia. Por alguma razão há cada vez mais portugueses de segunda e até de terceira. Apesar disso, os políticos jogam com o que consideram ser uma certeza imutável: os portugueses são um povo de brandos costumes. O mesmo se passa em Angola como, aliás, é do conhecimento de Jorge Sampaio.

Questionado sobre de quem é a culpa pelo estado da democracia em Portugal, Jorge Sampaio respondeu: "Somos todos naturalmente responsáveis." Se em Portugal são todos, porque razão em Angola se exclui os donos do regime?

Para Jorge Sampaio, é (ou era) necessário que "os poderes políticos saibam resistir, pela seriedade das suas propostas, àquilo que são as profundas influências de sectores corporativos da sociedade portuguesa". E nomeava médicos, juízes, magistrados do Ministério Público, enfermeiros e funcionários públicos. E quanto a Angola?

Em função desta realidade, mais negra a cada dia que passa, provavelmente os portugueses deveriam estar nas ruas a manifestar a sua indignação (creio, embora não tenha a certeza, que ainda têm esse direito) pelo aumento da pobreza, pelo custo de vida, pelo desemprego, pela crise, pela forma como são tratados.

Já em Angola, quando o tentam fazer levam porrada de criar bicho e nem com a solidariedade de todos os Jorges Sampaios podem contar.

Tal como fazia José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa em relação aos portugueses, também Jorge Sampaio se junta a Cavaco Silva e a Passos Coelho nesse nobre e eloquente acto de atirar poeira para a chipala dos angolanos e dos portugueses que gostam dos angolanos.

Não saberá Jorge Sampaio que:

- 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças?

- que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

-  que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?

-  que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?

- que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?

-  que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

- que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda?

- que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Sabe. É claro que sabe. Mas os amigos são para as ocasiões. E por muitos que sejam os defeitos do regime angolano, nunca se esquecerá de agradecer por escrito a ajuda dos amigos. E normalmente escreve em… dólares.

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