sexta-feira, junho 01, 2012

Soberana oportunidade para quem tem fome


Na prisão há o que falta cá fora. Comida e cama. Se calhar mais vale do que ser livre e andar com a barriga vazia e dormir debaixo da ponte.

O alto representante do secretário-geral das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, Jorge Sampaio, considera que o “medo, desconfiança e ressentimentos” provocados pela crise são uma “mistura explosiva” que é preciso resolver.

O também (entre outras coisas) ex-presidente da República de Portugal não está a ver bem a coisa. Não está, pelo menos, a ver com os mesmos óculos do governo de Pedro Passos Coelho.

Os portugueses não têm, aliás, razões para ter “medo, desconfiança e ressentimentos”. Ainda hoje foi revelado pelo Eurostat que Portugal continua a registar uma subida da taxa de desemprego, que em Abril se fixou nos 15,2%, uma décima acima do mês anterior, tendo o desemprego jovem aumentado para os 36,3%...

“Costumo dizer que esta crise não é só uma questão de números, de orçamento e de financiamentos. No centro da crise estão pessoas – pessoas que temem pelos seus empregos, que receiam pelo seu futuro; no centro da crise estão cidadãos que começam a ficar dominados pelo medo, pela desconfiança e pelo ressentimento, uma mistura explosiva a que há que saber dar resposta”, disse à Lusa Jorge Sampaio.

Se calhar devido ao facto de andar em missões da ONU, Jorge Sampaio está longe, muito longe, da realidade portuguesa. É pena. Se assim não fosse saberia, pelo menos, que para os donos do poder em Portugal as pessoas são o que menos conta. E se contassem seria um problema de resolução natural. Como estão, por ordem do governo, a aprender a viver sem comer… vão mais dia menos dia morrer.

Voltemos à “cultura de risco” e à grande oportunidade que, segundo Passos Coelho, são sinónimos de desemprego. A taxa de entre os jovens com menos de 25 anos subiu, entre Março e Abril, sete décimas, dos 35,9 para os 36,6%, sendo este novo valor mais de oito pontos percentuais superior àquele que se observava um ano antes (28,5), o maior aumento na União Europeia.

Conclui-se que, nesta vertente, a “cultura de risco” continua pujante, dando razão ao sumo pontífice do reino lusitano.

Em termos gerais, o desemprego continua a sua trajetória ascendente em Portugal (era de 13,6% em Outubro de 2011, 14,1 em Novembro, 14,6 em Dezembro, 14,7 em Janeiro deste ano, 14,8 em Fevereiro e 15,1 em Março) e a taxa é actualmente apenas inferior às de Espanha (24,3%) e Grécia (21,7 em Fevereiro), estando – o que será certamente um motivo de satisfação - a par da Letónia (dados do primeiro trimestre de 2012).

Na zona euro, manteve-se nos 11% em Abril, estável relativamente ao mês anterior, e no conjunto da União Europeia subiu de 10,2 para 10,3%.

Nas suas "previsões da Primavera", divulgadas em Maio, a Comissão Europeia estimou que a taxa de desemprego em Portugal se fixe nos 15,5% este ano, diminuindo apenas para 15,1% em 2013.

Quanto ao desemprego jovem, Portugal regista também o terceiro valor mais elevado, apenas superado por Espanha (51,5%) e pela Eslováquia (39,3%).

Comparando com os dados de há um ano, de Abril de 2011, a taxa de desemprego em Portugal subiu 2,6 pontos (12,6 para 15,2), e entre os jovens mais de oito pontos percentuais (28,5 para 36,6), a maior subida na comparação anual entre todos os Estados-membros sobre os quais há dados disponíveis.

Passos Coelho e a sua comandita devem estar satisfeitos. Estão, de facto, cada vez mais perto do seu mais sublime objectivo de vida: instalar no reino um regime esclavagista.

Como disse o primeiro-ministro, é preciso valorizar a "cultura de risco", tanto mais que o desemprego não tem de ser encarado como negativo e pode ser "uma oportunidade para mudar de vida".

Então escravos do reino? O milhão e duzentos mil desempregados apenas têm que seguir os conselhos do sumo pontífice do governo, apostando na “cultura do risco” e percebendo que têm uma soberana "oportunidade para mudar de vida".

Soberana oportunidade que pode contrariar as teses de Jorge Sampaio. É que se forem presos por, isto é um mero exemplo académico, enfiarem um balázio na mona dos responsáveis terão direito ao que hoje não têm: comida e cama. Será na prisão… mas mais vale preso com a barriga cheia do que livre com ela vazia.

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