Nunes da Silva, professor do Instituto Superior Técnico, afirmou, hoje, que a transferência do risco de tráfego das concessões rodoviárias em Portugal para o parceiro público em troca da disponibilidade das infra-estruturas é uma "das maiores vigarices" que já viu.
Apesar disso, ninguém vai parar à choldra. Nem o professor, se acaso está a mentir, nem os responsáveis políticos por essa vigarice. Eventualmente, numa hipótese mesmo assim remota, só a mulher da limpeza será criminalmente responsabilizada.
A rir, num orgasmo colectivo, vão continuar os verdadeiros responsáveis, sejam ministros, secretários de Estado ou presidente da República.
"A passagem do risco do tráfego para o ente público em troca da disponibilidade é uma das maiores vigarices que eu já vi na minha vida", afirmou o professor universitário e vereador da Câmara Municipal de Lisboa, ouvido numa daqueles coisas inconsequentes que servem para dar a imagem de que Portugal é um Estado de Direito, e que dá pelo pomposo nome de Comissão de Inquérito às Parcerias Público-Privadas Rodoviárias (PPP) e Ferroviárias.
A remuneração das concessionárias em função da disponibilidade, em vez do critério baseado no tráfego, é uma transformação que foi concretizada, a título de exemplo, nas renegociações das antigas SCUT (vias sem custos para o utilizador) aquando da introdução de portagens.
Com esta alteração, o risco de tráfego passa para o concedente, que assume pagar o volume de tráfego previsto no cenário base inicial - que, na maioria das vezes, é superior ao tráfego real - na forma de pagamentos por disponibilidade da infra-estrutura.
Fernando Nunes da Silva disse, em resposta ao deputado Hélder Amaral, do CDS-PP, que nos últimos anos, "as PPP foram transformadas na maior transferência de dinheiro público para a banca, através de um intermediário que são as empresas de obras públicas".
O professor universitário reconhece a bondade teórica das PPP desde que, diz, seja cumprido um conjunto de pressupostos, que inclui a "boa-fé nas negociações" e a comparação com a solução em que o Estado é o contratante da obra pública.
"Como em qualquer contrato, nas PPP é preciso saber se ambas as pessoas estão de boa-fé e tem de haver honestidade política", defendeu, acrescentando que, "muitas vezes, nem é preciso ter uma grande capacidade técnica, basta apenas não roubar e não deixar roubar".
Nunes da Silva comete um erro de raiz. Acredita, apesar das evidências, que em Portugal ainda é possível haver “honestidade política”. E como isso é impossível, roubar e deixar roubar passou a ser o principal lema dos donos do país.
Fernando Nunes da Silva criticou ainda a forma como são feitos os estudos de tráfego, afirmando que são contratados "gabinetes de estudos que se sabia, à partida, que respondiam àquilo que era pedido".
Por outras palavras, é lavrada a sentença e depois é contratado um gabinete que produza acusações e provas que a sustentem. Não se trata, portanto, de uma inversão das regras de um Estado de Direito mas, apenas, da constatação de que esse Estado de Direito não existe.
É o próprio professor IST quem diz (e certamente não corre o risco de ser vítima de um despedimento colectivo) que "há estudos de tráfego que são encomendados depois de a decisão estar tomada".
Nunes da Silva exemplifica com o despacho do antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, que atribuiu ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) a missão de estudar as alternativas para a localização da terceira travessia do Tejo, um projecto actualmente suspenso:
"É evidente que quando o antigo ministro diz ao LNEC exactamente os termos do que deve estudar, deixando de fora qualquer tipo de comparação possível, limita o âmbito da análise”.
O professor condenou ainda falta de um trabalho técnico "independente" e de ordens profissionais que "sancionem a falta de ética" e defendeu a necessidade de os projectos terem um contraditório técnico.
Em síntese, o que Nunes da Silva sugere é algo que se pode resumir numa só frase: tornem Portugal um Estado de Direito.
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