A jornalista
da RTP Fátima Campos Ferreira foi distinguida com o prémio jornalismo 2012. O
prémio foi entregue durante a iniciativa "Baile da Rosa", que este
ano decidiu apoiar a Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro.
Acho bem e
fico satisfeito. Não sei se o prémio diz respeito àquela coisa a que a RTP
chamou "Reencontro" entre portugueses e angolanos, apesentada por
Fátima Campos Ferreira e transmitida sob as ordens de Miguel Relvas, a partir de
Luanda, e no qual, para além do ministro português, participaram, entre outros,
Abraão Gourgel, Albina Assis ou Zeinal Bava.
Se este
prémio não respeita a esse exemplo de frete feito de cócoras ao regime
angolano, então é altura de José Eduardo dos Santos atribuir uma comenda a
Fátima Campos Ferreira pelos altos serviços prestado ao MPLA.
Se para não
chatear o “querido líder” de Angola, Pedro Miguel Passos Relvas Coelho não tem
tempo para falar dos angolanos, porque carga de chuva deveria a assalariada
Fátima Campos Ferreira, ainda mais com o patrão ali ao lado, ter esses
atributos?
A política e
a produção de conteúdos – actividade comercial que substituiu o jornalismo -, são
uma coisa com vários pesos e outras tantas medidas, que serve quase sempre para
milhões terem pouco e poucos terem milhões. Enquanto se é bestial (José
Sócrates dizia, entre outros, que Muammar Kadafi era um “líder carismático”) a
bajulação não tem limites. Quando se passa a besta, todos se unem para dizer o
pior e facturar sobre os escombros, sejam materiais ou humanos.
Desde 1975
que o regime português bajula caninamente o regime angolano do MPLA, e há 33
anos que lambe (pelo menos) as botas a
José Eduardo dos Santos, presidente não eleito mas – certamente – um paradigma
da democracia e dos direitos humanos.
Em
entrevista ao órgão oficial do regime, o Jornal de Angola, e a propósito da sua
visita ao país, o primeiro-ministro de Portugal disse:
“As minhas
expectativas são muito elevadas. Em primeiro lugar, porque não conheço
pessoalmente o Presidente José Eduardo dos Santos e é para mim uma honra
conhecê-lo. Mas quero dizer que ele já tinha tido a amabilidade de me convidar
para visitar Angola na altura em que fui eleito presidente do PSD, então
principal partido da oposição. Por razões que se prenderam com o nosso
calendário interno não foi possível efectuar a visita. O Presidente José
Eduardo dos Santos teve amabilidade de me convidar novamente, agora como chefe
do governo, e é muito importante que nos possamos conhecer pessoalmente”.
Depois desta
afirmação na versão primária de apenas Pedro Passos Coelho, certamente tanto
portugueses como angolanos ficaram com uma (pelo menos) lágrima no canto do
olho. Eduardo dos Santos está na fase do bestial (para isso basta estar no
poder) e por isso o primeiro-ministro de Portugal disse que “é uma honra
conhecê-lo”.
De mão
estendida para pedir ajuda (a saudação é feita com um grande abraço), Passos
Coelho enaltece todas as históricas qualidades do presidente
de Angola, seja como estadista ou político de gabarito internacional ou até como
(se quiser pagar direitos de autor a José Sócrates) como “líder carismático”.
Daqui a uns
tempos, e já faltou mais, veremos Passos Coelho dizer de Eduardo dos Santos o
que cada vez mais portugueses dizem de si. Ou seja, que é no mínimo um
mentiroso. É claro que o facto de, ao contrário do presidente angolano, ter
sido eleito não dá ao líder do PSD legitimidade para continuar a gozar com a
chipala tanto de portugueses como de angolanos. Mas é isso que ele e o seu
governo fazem. E fazem muito bem.
Passos
Coelho abordou também, “numa conversa franca e aberta”, as recordações da sua
infância “muito feliz” no Cuito, Huambo, Benguela e Luanda na altura –
recorde-se – em que Portugal ia do Minho a Timor.
E neste
contexto, nada comos mostrar serviço ao soba levando a Angola uma das mais
prestigiada jornalista da RTP que, na circunstância, aceitou o papel de sipaio e desempenhou-o com tal
galhardia que me convenceu que essa era mesmo a sua vocação.
Se fosse
jornalista, Fátima Campos Ferreira teria tido tempo para falar dos 68% de
angolanos afectados pela pobreza, ou referir que a taxa de mortalidade infantil
é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças.
Se fosse
jornalista, Fátima Campos Ferreira teria tido tempo para recordar que apenas
38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de
saneamento básico, ou que apenas um quarto da população angolana tem acesso a
serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade.
Se fosse
jornalista, Fátima Campos Ferreira teria tido tempo para lembrar que 12% dos
hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no
país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de
carência de medicamentos, ou que a taxa de analfabetos é bastante elevada,
especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de
crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino.
Se fosse
jornalista, Fátima Campos Ferreira teria tido tempo para dizer que 45% das
crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada
quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, ou que a dependência
socioeconómica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA
para amordaçar os angolanos, ou que 80% do Produto Interno Bruto angolano é
produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é
subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma
população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua
colónia de Cabinda.
Pois é. Mas
se ele fosse jornalista e tivesse tempo para isso não teria sido convidada. Mas,
tal como aconteceu com Muammar Kadafi, quando José Eduardo dos Santos cair do
pedestal, talvez Fátima Campos Ferreira tenha tempo e autorização para voltar a
ser jornalista.
Por tudo
isto, e por muito que custe a alguns, não atirem a assalariada (e certamente futura
assessora de Miguel Relvas) Fátima Campos Ferreira às feras. Ele limitou-se a
cumprir ordens. E ou as cumpria ou ia para a rua.
Aliás, os
portugueses – sobretudo os responsáveis políticos, económicos e jornalistas -
só estão mal informados sobre a realidade angolana porque querem, ou porque têm
interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos
humanitários.
De facto, os
políticos, os empresários e os (supostos) jornalistas portugueses (há, é claro,
para aí duas ou três excepções) fazem um esforço tremendo (bem remunerado) para
procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas,
as tais que estão no poder desde 1975.
Angola é um
dos países mais corruptos do mundo? É sim senhor. É um dos países com piores
práticas democráticas? É sim senhor? É um país com enormes assimetrias sociais?
É sim senhor. Mas as instruções que o MPLA deu a Miguel Relvas, e que este
certamente transmitiu à Fátima Campos Ferreira, proibiam a abordagem destes temas.
Pedro Miguel
Passos Relvas Coelho afirma que vê com
"muito bons olhos a participação do capital angolano na economia
portuguesa e noutras privatizações que o Estado venha a realizar”.
Se essa
participação se faz com dinheiro de origem duvidosa, ou à custa de metodologias
pouco transparentes, não interessa. O importante é que se faça. O resto
ver-se-á na altura em que, provavelmente outros, terão de fechar a porta.
Questionado
pelo jornal Público sobre se iria abordar o tema da transparência em Angola à
luz das mudanças internacionais, o primeiro-ministro respondeu através do seu
gabinete: "A visita servirá para fazer o ponto de situação sobre os
principais aspectos das relações políticas e económicas entre os dois
países."
Portugal,
tal como a restante comunidade internacional, sabe que é mais fácil, muito mais
fácil, negociar com ditaduras do que com democracias. É mais fácil negociar com
quem está, é o caso de Angola, há 33 anos no pode do que com alguém que possa
ter de abandonar o cargo pela escolha do povo.
Pedro Miguel
Passos Relvas Coelho está, nesta fase, mais interessado em facturar sobre o
facto de o “querido líder” de Angola ser bestial, esperando que quando ele
passar – como todos os ditadores – a besta, não tenha de prestar contas.
Se o
petróleo é o produto que Portugal mais importa de Angola, país que é o
principal destino das exportações portuguesas, extra UE, se BES, Millennium
bcp, Caixa Geral de Depósitos estão em força no reino de Eduardo dos Santos, se
já há em força capital angolano no BCP, BPI, Banco BIC Português, se o BPN está
nas mãos dos donos de Angola, porque carga de chuva iria o “africanista de Massamá” hostilizar o
grande soba, ou Fátima Campos Ferreira fazer perguntas incómodas?
“A solidez
dos laços que nos unem e a convergência de posições em relação a muitos dos
desafios centrais do nosso tempo, permitem-nos encarar o futuro com redobrada
confiança e ambição”, escreveu em 2009, Aníbal Cavaco Silva, numa mensagem
enviada ao democrata dono de Angola e que certamente é repetida pelo menos uma
vez por ano.
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