Começa amanhã (em Portugal tudo começa mas munca acaba) no Tribunal de Oeiras um dos mais concorridos julgamentos envolvendo jornalistas do Expresso, Grande Reportagem, SIC, TVI e Visão, acusados de violação do segredo de justiça por noticiarem factos relacionados com as investigações do processo Casa Pia.
Em 2002, um Editorial do Notícias Lusófonas tinha o título «Feios, porcos e maus». Sete anos depois, a única coisa diferente poderá ser a ordem das palavras. Apenas isso.
António Ribeiro dizia que é «assim que nós, portugueses, vamos ficar para a História se não for convenientemente investigado e esclarecido o caso de pedofilia que envolve a Casa Pia de Lisboa e exemplarmente punidos todos os que nele participaram e também aqueles que, por negligência ou omissão, permitiram a continuação de tais práticas durante mais de duas décadas.»
Na altura escrevi que não podia estar mais de acordo. Hoje volto a escrever que não posso estar mais de acordo. E, pelos vistos, para o ano continuarei a dizer o mesmo. A desvergonha «made in Portugal» não tem limites.
Tantos anos depois serão, certamente (muito) poucos os que acreditam que vai haver justiça no caso de pedofilia da Casa Pia. Continuo a acreditar que não vai haver justiça. E não vai porque, para além dos políticos (e similares: polícias, tribunais, jornalistas etc.) serem feios, porcos e maus são, ainda, cobardes.
São os desse tempo por calarem e são os de hoje por estarem voluntariamente amarrados.
Serem feios, porcos e maus parece algo que está no sangue, salvo algumas (muito poucas) excepções. Tão poucas que até os Jornalistas que agora falam do assunto vão, como o foram os que no início da década de 80 avançaram, ficar calados.
E esse silêncio será recompensado. É só uma questão de tempo. Não tardará muito e estarão como directores ou administradores de um qualquer órgão da comunicação social... Os Jornalistas mais teimosos poderão, a todo o momento, entrar para a lista de dispensáveis... pelos altos serviços prestados.
Deixem-me, também por comodismo mas sobretudo por estar de pleno acordo, continuar a citar o brilhante texto do António Ribeiro: «O que aqui está em causa não se pode compadecer com os proverbiais brandos costumes portugueses nem com o velho hábito de deixar tudo nas meias tintas. O que aqui está em causa são crimes praticados contra crianças indefesas - antes de mais por serem crianças e depois por serem crianças provenientes de lares pobres ou pura e simplesmente de lares nenhuns - que tinham como único suporte instituições para as acolher, educar e preparar para o futuro.»
É exactamente isso. E por ser isso é que, mais uma vez, ninguém se lembra de ter ouvido falar em tal crime. Presidentes da República, ministros, secretários de Estado, deputados, procuradores gerais da República, magistrados, polícias etc. foram todos atingidos por uma conveniente amnésia.
Tão conveniente que, creio, até poderá um dia destes dar direito a uma comenda pelos altos serviços prestados à Nação...
Diz o António Ribeiro (num texto que, permitam-me a opinião, é uma verdadeira obra-prima) que «são crimes hediondos praticados por adultos que, acoitados na impunidade do poder e na conivência dos silêncios comprados, praticaram sevícias que mutilaram física e psiquicamente centenas de crianças e as marcaram para o resto das suas vidas. Aquelas que não se mataram. De nojo. De medo. De desespero.»
É isso mesmo. Crimes hediondos, impunidade, silêncios comprados e mutilação física e psicológica.
Convenhamos, contudo, que os silêncios continuam a ser comprados para encobrir esses crimes hediondos. Tal como foram outros, tal como serão outros. Portugal deixou de ser um país (Nação há muito que o deixou de ser) para passar a ser, apenas e tão só, um lugar muito mal (muito mal) frequentado.
Na minha opinião este é mais um caso que vai ficar, que já está, em águas de bacalhau. Pelo cheiro, a água já está putrefacta. Está a água e está Portugal.
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