O primeiro-ministro português, demissionário ou não, sempre que fala garante com uma impoluta convicção que o Governo usará todos os recursos ao seu alcance para auxiliar empresas, trabalhadores, famílias e todos quantos precisarem de ajuda.
É com certeza por isso que todos os portugueses dormem mais descansados sempre que ouvem José Sócrates. De barriga vazia (enquanto não aprenderam a viver sem comer) mas descansados.
Se José Sócrates o diz é porque assim vai ser. Não sei se tal se conseguirá através de menos despedimentos, se por meio de mais um cobertor para os sem-abrigo ou, quiçá, pela oferta de uns tantos títulos da dívida pública, mesmo que considerados lixo.
Recordam-se da mensagem de Natal de 2008? Sim, essa mesmo em que José Sócrates teve uma conversa em família, ao estilo de Marcelo (Caetano)?
O primeiro-ministro sublinhou que o ano de 2009 (ao tempo que isso foi!) ia ser "difícil e exigente para todos" (isto é como quem diz... sempre para os mesmos), razão pela qual o dever do seu Governo era "não ficar à espera que os problemas se resolvam por si próprios".
"Pela minha parte, e pela parte do Governo, quero garantir-vos que não temos outra orientação que não seja defender o interesse nacional neste momento particularmente difícil. E defender o interesse nacional é usar todos os recursos ao nosso alcance, com rigor, sentido de responsabilidade e iniciativa, para ajudar as famílias, os trabalhadores e as empresas a superarem as dificuldades, e para incentivar o investimento económico que gera riqueza e emprego", disse então (Natal de 2008) José Sócrates.
Digam lá que o homem não fala bem? É claro que não sabe o que diz e nem diz o que sabe. Se assim não fosse diria, desde logo, que o Governo iria responsabilizar os empresários que, devido à suposta generalização da crise, contratam directores para descobrirem a melhor forma de porem as suas empresas também em crise.
Além da garantia de acção perante a crise, usando para tal todos os meios possíveis ao alcance do Estado, José Sócrates pretendeu também deixar uma mensagem de "esperança" em relação ao futuro e de "confiança" face aos próximos desafios resultantes da "grave crise económica e financeira" mundial.
Foi no Natal de 2008. Uma mão cheia de nada. Muitos portugueses estavam nessa altura como estão hoje e estarão nos próximos anos. Isto é, estão como o tolo no meio da ponte. Não sabem para que lado devem ir. E é nessa altura que descobrem que afinal nem ponte existe.
Sócrates frisou (Natal de 2008) que "os portugueses podem contar com a determinação do Governo" no presente "momento difícil da Europa e do mundo".
Podem contar para quê? Para andarem no TGV? Para voarem para o novo aeroporto da capital? Ou para terem forma de pagar a casa e ao merceeiro?
"Determinação no apoio à economia. Determinação, também, na defesa e na promoção do emprego. Mas, determinação, sobretudo, na protecção das famílias, especialmente às famílias de menores rendimentos, protegendo-as das dificuldades que sentem e ajudando-as nas suas despesas principais", acrescentou Sócrates.
Recordam-se? Foi no Natal de 2008.
E depois das palavras, Sócrates volta a olhar para o lado e a assobiar, dizendo que são as regras de uma economia de mercado.
"Foi por isso que criámos as condições para que baixassem os juros com a habitação, generalizámos o complemento solidário para idosos, protegemos as poupanças, aumentámos o salário mínimo e actualizámos os salários da função pública acima da inflação", disse, ainda (Natal de 2008) Sócrates em referência a medidas tomadas pelo Governo.
Disse e é verdade. Mas o cerne da questão não está na justeza de apoiar quem mais precisa. Está no facto de permitir que poucos tenham milhões à custa de milhões que pouco ou nada têm. De milhões que cada vez têm menos.
"O país precisa de atitude, de empenhamento e de determinação", salientou José Sócrates.
Foi com certeza por isso que o primeiro-ministro substituiu o primado da competência pelo da subserviência, o profissionalismo pela bajulação. Foi por isso que o Governo valorizou quem não erra, esquecendo-se de verificar que os que não erram são os que nada fazem. Foi por isso que entre um competente e um néscio com uma boa cunha, ou cartão do partido, escolheu o néscio.
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