quarta-feira, setembro 23, 2009

Se o poder corrompe, o poder absoluto...

Estar 30 anos no poder, com o poder absoluto que tem nas mãos (é também o presidente do MPLA e chefe do Governo), faz de José Eduardo dos Santos um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há mais tempo em exercício.

O facto de não ser caso único, nomeadamente em África, em nada abona a seu favor. Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola.

Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.

Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democraia está-se a caminhar para a ditadura.

Com Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.

É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.

Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Euopeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.

É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.

É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.

Bem visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.

Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.

Desde 2002, o presidente vitalício (ao que parece) de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.

Não creio que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 30 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.

Mas essa também não é uma preocupação, a não ser que seja agora com a questão da Gripe A. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.

Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala ou de ter um acidente.

Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qulquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha mais alguns fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.

É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois... com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 30 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos. Até um dia, como é óbvio.

Nota: Este meu texto foi também publicado no semanário A Capital, de Angola

3 comentários:

Gil Gonçalves disse...

Onde está a luta de libertação?
Até ao momento Angola não viveu nenhuma luta de libertação. Aconteceram sim, algumas escaramuças entre colonos brancos e colonos negros. O colonialismo negro tomou o poder pela força e escraviza os semelhantes com tal selvajaria que espanta a civilização. Aguardamos impacientes que a verdadeira luta da nossa libertação inicie e que destrua estes campos de concentração.

Como é que isto não há-de estar como está. As pobres almas danadas portuguesas chegam… e fazem experiências com o software (?) deles. É por isso que tudo isto está a ir abaixo até acabar nas tangas e nos saudosos arcos e flechas. E desde que contrataram os chineses para fazerem experiências electrizas, está muito difícil acender uma lâmpada. Deportaram a energia eléctrica para os campos de reeducação estalinistas. Angola é um notável campo para todas as experiências desumanas internacionais.

Anónimo disse...

"Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qulquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha mais alguns fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas."

Esta comparação foi a ideal, Orlando! A tese dos cobardes e conformistas, da mediocridade! e foi a estes e aos seus "patrões", que dediquei um mini excerto, de um espectáculo que em 2 min. diz tudo, no Sustentabilidade, pena que o mensageiro tenha morrido logo de seguida e tão novo!
Por aí se vê...

Amílcar Tavares disse...

Esse aí, só deverá sair dali num caixão, aliás como o Omar Bongo, por exemplo. é uma pena.