segunda-feira, setembro 21, 2009

Texto integral da entrevista à jornalista
Nádia Issufo da Rádio Deutsche Welle

Há trinta anos que José Eduardo do Santos lidera os destinos de Angola, isto desde 21 de Setembro de 1979, depois da morte de Agostinho Neto, o primeiro presidente do país. Demasiado tempo no comando consideram algumas vozes que clamam por alternância... Enquanto isso a data para a realização de eleições no país tarda em chegar e o partido no poder, já pensa em mudar o modelo eleitoral.

Conversei com o historiador e jornalista, Orlando Castro, sobre a liderança de José Eduardo dos Santos. O angolano não hesita em apontar os reais problemas da sua presidência e do país.


Nádia Issufo: Como avalia os 30 anos da presidência de José Eduardo dos Santos?

Orlando Castro: A avaliação tem aspectos positivos e tem, sobretudo aspectos negativos porque estar trinta anos no poder, com o poder absoluto que tem nas mãos, porque para além de presidente da República e presidente do MPLA é chefe do governo, o que torna José Eduardo dos Santos num dos ditadores, ou na melhor das hipóteses, num presidente autocrático há mais tempo em exercício. Portanto, não me parece que isto abone os angolanos de uma forma geral e até ao MPLA em particular, sobretudo porque já era tempo de pela via democrática Angola ter um presidente de facto eleito.

NI: Qual a sua opinião sobre a forma como o ocidente hoje lida com o presidente e com o país?

OC: Na minha opinião o ocidente tem mais vantagem em lidar com uma ditadura do que com uma democracia. Uma ditadura de um país rico é mais fácil de moldar aos interesses do ocidente do que uma democracia. Porque veja que no caso de Angola, o presidente do país, todo o seu clã e todo o seu envolvimento representam quase 100% do PIB do país. E portanto, o ocidente vê vantagens em ter um presidente e uma estrutura ditatorial do que ter uma democracia cujos protagonistas sairão do poder provavelmente daqui a uns anos se voltar a haver eleições. Portanto, há uma grande hipocrisia do ocidente, de uma forma geral em raleação a todas ditaduras, e neste caso concreto em relação ao regime do MPLA em Angola.

NI: Então os problemas que Angola enfrenta actualmente de corrupção, de incompatibilidades de funções e outras coisas mais poderão não ser resolvidos a curto prazo?

OC: Sim, dificilmente serão resolvidos a curto prazo. Até porque a comunidade internacional faz questão de que existam eleições como ponto de partida para uma boa governação. Eu tenho duvidas de que as eleições sejam por si só sinónimo de democracia, porque quando o povo tem que votar com base na barriga e não na cabeça, não creio que se vá a algum lado. Angola teve eleições legislativas e provavelmente terá ou não presidenciais, mas mesmo que as tenha, o problema do país reside de facto num clã que domina todo o país. Porque não está em questão se a Sonangol tem poder económico e financeiro para investir no outros países do mundo, o problema está em que a Sonangol não é dos angolanos. É do clã do presidente. Enquanto toda a estrutura económica, financeira e produtiva não estiver nas mãos dos angolanos mas sim na mão de um grupo de angolanos nunca mais o problema de Angola será resolvido.

NI: O que pensa da possibilidade de Angola vir a adoptar um sistema de votação presidencial indirecta à sememlhança da África do Sul? Poderá trazer algum tipo de mais valias para o MPLA e para José Eduardo dos Santos em detrimento de outras forças políticas no país?

OC: Claro que sim, terá vantagens para o MPLA que vai perpetuar o MPLA e o presidente que escolher, José Eduardo dos Santos, no poder. É uma aberração completa esta ideia de uma eleição que José Eduardo dos Santos chama de atípica, não tem o mínimo cabimento num conceito democrático moderno. Isto vai de facto apenas perpetuar o poder nas mãos dos que já o têm. Na faz o mínimo sentido que Angola opte por uma solução destas, porque é uma solução que apesar de tudo serve para passar um atestado de menoridade intelectual aos angolanos, o que me parece injusto. Já basta estarem a passar fome e agora ainda os tratam como se fossem débeis mentais, isto não pode continuar assim.

NI: Até que ponto a sociedade civil angolana pode intervir para que este sistema não seja adoptado?

OC: A sociedade civil angolana tem muita força e vida e está a mexer-se no sentido de que as coisas não se processem assim. Mas o problema todo está em que as pessoas, apesar de tudo, têm medo e existe alguma asfixia no sentido de que a liberdade de expressão não seja tão visível quanto isso. Se a sociedade civil conseguisse ter o apoio da comunidade internacional no sentido de alertar as autoridades angolanas para que sigam critérios democráticos validos talvez conseguissem alterar este estado de coisas. Mas como eu lhe disse, quando a própria comunidade internacional apenas se preocupa em que haja eleições, mesmo que nessas eleições não existam cadernos eleitorais, apareçam mais votos do que pessoas inscritas, mesmo que seja assim, a comunidade internacional acha que já fica tudo bem e já pode dormir descansada. Portanto, a sociedade civil por muito que se mexa terá sérias dificuldades em alterar este estado de coisas, parecendo-me a mim que isto só se alterara, quando por razões que esperamos naturais o presidente José Eduardo dos Santos deixe de existir e eventualmente o próprio MPLA se rejuvenesça, o que se calhar é uma utopia, mas enfim, vamos acreditar...

NI: Acredita que José Eduardo dos Santos possa pautar por uma presidência vitalícia?

OC: Eu creio que sim, creio que é essa a situação, que ele vai ser um presidente vitalício. Seria no regime de partido único que é mais ou menos o que existe em Angola. Foi forçado, de alguma forma, a realizar eleições e agora está a fazê-lo e com essa máscara de eleições a perpetuar-se no poder de uma forma que a mim me parece contra natura, mas enfim sou das poucas vozes, não são tão poucas assim afinal, a remar contra essa maré.

NI: Por favor, perspective uma Angola com José Eduardo dos Santos e sem ele na presidência do país...

OC: Eu creio que Angola com José Eduardo dos Santos a dirigir o país, já vimos o que é, são poucos a terem muitos milhões e muitos milhões a não terem nada, isto é, alguma classe de elite muito rica e muito poderosa e o povo a morrer fome. Sem ele creio que seria mais viável e que seria possível Angola ser um país só e os angolanos serem não de primeira, de segunda ou de terceira como agora acontece mas serem só angolanos e a riqueza ser distribuída por quem dela necessita, por quem tem a barriga vazia. Esta é a opção que cabe aos angolanos e a todos escolher.

Ver:
http://acalmarasalmas.blogspot.com/2009/09/angola-poucos-terem-muitos-milhoes-e.html

2 comentários:

Anónimo disse...

A nós também nos cabe escolher, mas estou a ver a coisa feia, tal e qual como em Angola. Digamos que qualquer dia, se as pessoas se enredarem, neste engano dos Media versus Política, entramos em ditadura e nem se dá por isso... eu acho que já aconteceu, o problema é que tudo o que havia para extorquir ao nosso País, entrou na recta final, não acontecendo o mesmo com Angola...
Falta-nos o petróleo...

Anónimo disse...

E parabéns pela entrevista que deu, que devia ser por onde eu deveria ter começado, Orlando!
Experiência, lucidez, sinceridade e acima de tudo coragem! :)