Analistas brasileiros reafirmam o que aqui tem sido dito desde há muito. A entrada da Guiné-Equatorial como membro de pleno direito para a Comunidade dos Países (ditos) de Língua Portuguesa (CPLP) tem apenas a ver com o petróleo, sendo outras questões basilares, como a língua, a democracia e os direitos humanos uma farsa.
Na quinta-feira, o porta-voz da Presidência do Brasil, Marcelo Baumbach, afirmou que o Brasil apoia o ingresso da Guiné-Equatorial na CPLP, mas, questionado sobre as razões desse apoio a um país que não fala português e que é alvo de denúncias sobre violações dos direitos humanos, esquivou-se de responder.
Em declarações à Lusa, o analista político António Flávio Testa, da Universidade de Brasília (UnB), considera que a aproximação com a Guiné-Equatorial é mais uma estratégia do Governo Lula da Silva de colocar o Brasil na agenda internacional.
“É uma política de Estado de ocupar espaços estratégicos. Por trás disso, há grandes interesses de empresas brasileiras, como a Petrobras, a Vale do Rio Doce, a Andrade Gutierrez. E aí independente a política local. É o lado do Brasil imperial”, afirmou António Flávio Testa.
Na opinião do sociólogo, o Brasil está a fazer novas alianças num momento em que está competitivo, buscando reequilibrar a geopolítica internacional, como mostram também a sua contraposição à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a aproximação com a França para a compra de material militar.
“A visita do presidente Lula a Guiné-Equatorial não é para promover a democracia no país”, ironizou, por seu turno, o analista político David Fleischer, também da UnB.
“A base de tudo são interesses nacionais. A Petrobras tem interesses na Guiné-Equatorial e, além disso, o Brasil pode estar buscando mais um voto para o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isso explica o apoio brasileiro para o país do presidente Obiang Nguema, há mais de trinta anos no poder”, opinou Fleischer.
Em Janeiro de 2006, a Petrobras adquiriu à empresa norte-americana Chevron um bloco para explorar petróleo na Guiné-Equatorial em águas profundas, especialidade da petrolífera brasileira. A construtora Andrade Gutierrez também tem actuado no país por intermédio de sua subsidiária em Portugal.
Não está mal. A Guiné-Equatorial é uma ditadura? É sim senhor. Mas o que é que isso importa se tem petróleo, que é um bem muito superior aos direitos humanos?
Na avaliação do governo brasileiro, as maiores potencialidades do comércio com a Guiné-Equatorial concentram-se nos sectores de gás e petróleo, infraestrutura, construção civil, máquinas e equipamentos agrícolas, material de defesa e aeronaves.
Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se bem que nas ocidentais praias lusitanas tenha um dos seus mais latos expotentes. Como agora se vê, o Brasil não deixa os seus créditos por petróleos alheios.
Basta ver que, por exemplo, a UNESCO projectou atribuir um prémio patrocinado pelo Presidente da Guiné-Equatorial, Teodoro Obiang Nguema.
Vê-se, por aqui, que própria agência das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura chgou a equacionar dar cobertura a um dos mais infames ditadores mundiais, apesar de só estar no poder há... 31 anos.
Quanto a essa coisa chamada CPLP, registe-se que o seu próximo líder, a partir de Julho, vai ser o presidente de Angola, não eleito, e que está no poder também há pouco tempo (31 anos) e o seu partido, o MPLA, é dono do país desde a independência, em 1975.
Obiang, que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, tem sido acusado (tal como como o seu homólogo angolano) de manipular as eleições e de ser altamente corrupto, tal como o que se passa em Angola.
Obiang, que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito no ano passado com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como em Angola, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
Gozando, como todos os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à grande e à francesa quando o ano passado um tribunal... francês rejeitou um processo que lhe fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo - os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.
Os vastos proventos que a Guiné Equatorial, como escreveu no passado dia 10 de Maio o jornal português Público, recebe da exploração do petróleo e do gás natural poderiam dar uma vida melhor aos 600 mil habitantes dessa antiga colónia espanhola, mas a verdade é que a maior parte deles vive abaixo da linha de pobreza. Em Angola são 70% os pobres...
Para além de se saber que a força da Guiné-Equatorial está no petróleo, se calhar sabe bem a alguns países lusófonos ser enganados por mentiras que tentam ser pela insistência uma verdade.
Questionado sobre se concordava com a adesão à CPLP de um país que é referenciado pelas organizações internacionais no que respeita à violação dos direitos humanos, o presidente moçambicano, Armando Guebuza, disse acreditar que a Guiné Equatorial vai "fazer tudo para se conformar com aquilo que são as normas na CPLP".
Normas de quê? De quem? Da CPLP? Mentir é uma coisa, gozar a inteligência dos outros é outra, por sinal bem diferente, concordem ou não José Eduardo dos Santos, Armando Guebuza, Cavaco Silva ou José Sócrates.
Verdade é que ninguém se atreve a perguntar a José Sócrates e a Cavaco Silva se acham que Angola respeita os direitos humanos ou se é possível que a presidência da CPLP vá ser ocupada por um país cujo presidente, José Eduardo dos Santos, no poder há 31 anos, não foi eleito.
A verdade, incómoda para os donos do poder, seja em Portugal, Moçambique, Brasil ou Angola, é que a CPLP está a ser utilizada de forma descarada para fins comerciais e económicos, de modo a que empresas portuguesas, angolanas e brasileiras tenham caminho livre para entrar nos novos membros, caso da Guiné-Equatorial.
Reconheça-se, contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné-Equatorial preenche todas as regras para entrar de pleno e total direito na CPLP. Não sabe o que é democracia mas, por outro lado, tem fartura de petróleo, o que é condição “sine qua non” para comprar o que bem entender.
Há quem defenda, certamente à revelia dos mais altos interesses petrolíferos, que o caso da Guiné-Equatorial deveria ser alvo de uma reflexão mais profunda. Não se vê para quê.
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