O Presidente da República portuguesa, Cavaco Silva, ouviu hoje (espera-se que tenha percebido) as preocupações do líder da UNITA, Isaías Samakuva, relativas ao processo de democratização de Angola, à situação na colónia angolana de Cabinda, bem como um apelo às responsabilidades históricas de Portugal.
O encontro, inserido no programa oficial da visita de Estado de Cavaco Silva a Angola, que só figurativamente foi aceite pelo MPLA, durou cerca de 45 minutos (é obra!).
A UNITA aproveitou o quase monólogo que manteve com Cavaco Silva para dizer ao presidente português o que ele não queria ouvir, sobretudo porque no que a Angola respeita a visão portuguesa é obrigatoriamente coincidente com a do MPLA.
Seja como for, Cavaco Silva - que nunca se engana e poucas vezes tem dúvidas – continua a dizer o que manda a cartilha oficial do MPLA, esquecendo que as relações entre os dois países, bem como com Cabinda, começaram bem antes de 1974.
Mas da mesma forma que Cavaco Silva diz que as últimas eleições foram livres e justas (só ele, o governo do PS e o MPLA consideram tal coisa), também diz que Angola vai de Cabinda ao Cunene.
Portugal foi parte da “troika”, juntamente com os Estados Unidos da América e Rússia, no processo de paz, e Isaías Samakuva sublinhou essa “responsabilidade histórica”, para expor a Cavaco Silva inquietações sobre, por exemplo, o pagamento em falta de pensões aos ex-militares da UNITA.
O líder da UNITA poderia ter sido mais directo. O resultado seria o mesmo, não havendo por isso nada a perder. Ou seja, poderia ter afirmado que, tal como em Portugal há cidadãos de primeira (todos os que são do PS) e de segunda (todos os outros), em Angola os de primeira são os do MPLA, os de segunda são os outros e os de terceira são os kwachas.
“Temos incumprimentos no que diz respeito ao processo de paz, falta de pagamento de pensões de reforma dos ex-militares, mas falamos também de outros incumprimentos, sobretudo da devolução de propriedades da UNITA”, descreveu Samakuva.
Para Isaías Samakuva, “Portugal pode exercer alguma influência sobre o governo angolano no quadro das responsabilidades históricas que assumiu no processo de paz”.
Mais uma vez Samakuva enganou-se. Não é Portugal que pode exercer influência sobre Angola. É exactamente o contrário. Nunca como nos útimos anos os portugueses assistiram a tanta bajulação ao MPLA.
“Falamos ainda sobre o caso de Cabinda, em que Portugal também tem responsabilidades históricas e o governo português pode desempenhar um papel na pacificação porque, com os contactos privilegiados que Portugal tem com o governo angolano e com a sociedade de Cabinda, pode-se encontrar uma forma de fazer com que o diálogo surta efeitos”, disse o líder da UNITA.
Novo engano. Para Portugal, a sua própria história só começou a ser escrita em 1974. É por isso que, segundo Cavaco Silva, não existem acordos de protectorado ou de qualquer outra espécie com Cabinda. Nesta matéria a tese oficial do reino lusitano é aquela que for ditada pelo regime angolano.
Questionado sobre a realidade política atual em Angola, o presidente da UNITA considerou que o país tem “uma democracia nascente” onde “existem forças que a querem consolidada e outras que resistem a essa consolidação da democracia”.
“Abordamos estas questões porque entendemos que Portugal terá uma ideia, fará uma avaliação, da situação real que se vive em Angola se tiver informações de um lado (do governo) e do outro (da UNITA)”, afirmou Samakuva.
Acredito que Cavaco Silva não tenha registado uma única ideia das que foram apresentadas pela UNITA. Para Portugal a democracia em Angola esgota-se no MPLA. Para Portugal, Angola é o MPLA e o MPLA é Angola. O resto é paisagem.
Se a UNITA acredita mesmo em Portugal, o melhor é ir pensando muito bem porque «sekulu wafa, kalye wendi k'ondalatu! v'ukanoli o café k'imbo lyamale!» (morreu o mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados).
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