sexta-feira, julho 09, 2010

Diálogo com a onça vai dar para o torto

O líder histórico da organização independentista de Cabinda, Henrique N’zita Tiago, reconheceu em declarações à Lusa que a luta armada já não é viável, aponta o diálogo como solução para o conflito e sugere Lisboa para conversações com Luanda.

Enquanto isso o MPLA esfrega as mãos de satisfação e vê assim uma porta para calar todos os que defendem ideias diferentes no que à colónia angolana de Cabinda respeita.

“Porque é que os angolanos só querem que haja guerra e luta armada para poder negociar com os cabindas? Porquê? Porquê? Nós estamos a falar de diálogo”, disse Henrique N’zita Tiago, acrescentando que “não vale a pena o mundo deixar os angolanos matar os outros, e dizer que militarmente são superiores e então os cabindas já não têm meios”.

Henrique N’zita Tiago desafia, numa verdadeira pregação no deserto, o Governo português a dar o seu contributo para o diálogo, coisa que Lisboa nunca fez desde 1974, altura em que Portugal apagou da memória colectiva todos os acordos assinados com o povo de Cabinda.

A opção pelo diálogo reflecte o impasse no terreno, sem que os guerrilheiros da Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC) ou as dezenas de milhar de militares angolanos armados até aos dentes e com um poder bélico assinalável, consigam resolver um conflito que se arrasta desde 1975, altura em que pelos Acordos de Alvor Portugal resolveu doar o seu protectorado de Cabinda aos novos donos de Angola.

A opção pelo diálogo é também expressa pelo auto-denominado “movimento renovador” da FLEC, dirigido por Alexandre Builo Tati, vice-presidente escolhido por N’zita Tiago.

O “movimento renovador”, que integra, entre outros, o Chefe de Estado-Maior Geral da FLEC, tenente-general Estanislau Miguel Boma, anunciou no passado dia 29 o afastamento de N’zita Tiago da liderança efectiva da organização.

Entretanto, o deputado eleito pela UNITA em Cabinda, Raul Danda, mostrou-se hoje satisfeito pelo anunciar do fim da luta armada na colónia angolana de Cabinda, mas lembrou que Luanda ainda não efectivou o estatuto especial acordado em 1996.

O também activista dos direitos humanos em Cabinda e um dos mais conhecidos elementos da sociedade civil do território, sublinhou ainda que “o diálogo foi sempre a primeira opção do povo cabinda”.

Para Raul Danda, o que está em causa é encontrar “uma solução honesta” para o problema de Cabinda, que, “naturalmente, só pode passar pelo diálogo entre o povo de Cabinda e o governo de Luanda”.

“Tem de ser uma solução honesta porque (em 1996) com a assinatura do memorando de entendimento que envolveu o Fórum Cabindês para o Diálogo, Luanda aceitou a condição de estatuto especial para a região, que nunca foi materializado”, lembrou Danda.

O deputado do maior partido da oposição angolano, eleito como independente, sublinhou ainda que, “apesar de aceite esse estatuto especial, a verdade é que nem sequer se aproveitou a nova Constituição para o enquadrar nas leis da República”.

É verdade. O MPLA, partido que governa Angola desde a independência em 11 de Novembro de 1975, bem como o presidente da República, José Eduardo dos Santos (no poder há 31 anos), continuam a ganhar tempo e a calar todos os que pensam de forma diferente, bastando para comprovar esta realidade ver os vários defensores dos direitos humanos que continuam presos em Cabinda, todos em condiçõs execráveis.

Mas Raul Danda entende ainda que o caso de Cabinda não passa por uma solução como aquela que envolveu o conflito entre a UNITA e o MPLA, em 2002, e que pôs fim à guerra civil, “porque aqui trata-se de uma questão que envolve o povo e o Governo de Luanda tem de dialogar com o povo de Cabinda e não só com militares”.

“Se a FLEC se posiciona também assim, tanto melhor, porque o diálogo foi sempre a primeira opção do povo Cabinda”, apontou.

Alexandre Builo Tati, que encabeça o auto-denominado “movimento renovador” da FLEC, que afastou o histórico Henrique N’zita Tiago da liderança efectiva, salientou em declarações à Lusa, que “a única diferença entre a antiga visão e a actual” é que o movimento considera “neste momento, que a luta deve ser adaptada ao contexto actual”.

“O povo de Cabinda é que tem sido vítima de uma agressão, de uma ocupação. São os angolanos que fazem a guerra contra o povo de Cabinda, que apenas se defende”, vincou Alexandre Builo Tati.

Recorde-se que, ao contrário do que diz o presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, Angola não vai de Cabinda ao Cunene, sendo que esta é um protectorado português ao abrigo do Tratado de Simulambuco, assinado por Portugal em 1885 e respeitado até ao 25 de Abril de 1974.

Registe-se ainda, para entendimento mais prático do caso, que cerca de 70% do petróleo exportado por Angola é extraído em Cabinda.

A Associação do Tratado de Simulambuco – Casa de Cabinda (ATS-CC) aplaude todas as iniciativas de paz relativas a Cabinda mas duvida da boa vontade de Luanda, mau grado um dos seus mais altos dirigentes, também candidato à Presidência da República portuguesa, Fernando Nobre, dfender agora o mesmo que Cavaco Silva, ou seja que Angola vai de Cabinda ao Cunene.

Manuela Serrano salienta estar a falar apenas como “activista dos direitos humanos” (coisa que não existe na colónia angolana da Cabinda), frisando que não se pode “meter na parte política”.

“Tudo o que sejam iniciativas de paz nós achamos bem, claro. Mas tem que ser dos dois lados. Se só houver uma parte que quer dialogar, o que é que se pode fazer? Nada”, lamentou.

“Como activista dos direitos humanos, a única coisa que posso falar é que Angola não deve estar muito interessada no diálogo. Se houvesse vontade, não tinham os activistas presos”, disse referindo-se aos cabindas que vão ser julgados por supostos crimes contra a segurança do Estado, na sequência do ataque, a 8 de Janeiro último, contra a coluna militar angolana que fazia segurança à selecção de futebol do Togo que se deslocava para o terriório para particpar na Taça das Nações Africanas, e que provocou dois mortos.

No tribunal, vão ser supostamente julgados o padre Raul Tati, o advogado Francisco Luemba, o economista Belchior Tati e o engenheiro Barnabé Paca Peso.

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