domingo, julho 25, 2010

Pai da Ibéria merece ter em todas as aldeias, vilas, lugares e cidades, ruas com o seu nome

O líder da concelhia do PS/Porto, Manuel Pizarro, classificou de “provinciana” a atitude da maioria PSD-CDS da Câmara do Porto (Portugal) que chumbou a atribuição do nome de José Saramago a uma rua da cidade.

Ao que parece, em democracia, quem foi eleito (convém não esquecer) para dirigir a cidade não tem o direito, sem ser “provinciano”, de ter uma opinião diferente, mesmo tratando-se de um laureado com o Nobel da Literatura, mesmo tratando-se do pai da Ibéria.

“Considero uma atitude provinciana, que desrespeita as tradições liberais e tolerantes da cidade”, afirmou, em declarações à agência Lusa, Manuel Pizarro, acrescentando que “quer a maioria queira quer não queira, José Saramago é uma das importantes figuras da vida cultural e literária da história de Portugal e um dos dois portugueses que recebeu um prémio Nobel”.

Eu que também sou provinciano, sobretudo porque não vou à missa deste PS, também recordo que foi o mesmo José Saramago que nos editoriais do DN fazia a apologia radical dos então portugueses de primeira e que, recorde-se, eram apenas os que seguiam as ideias de Vasco Gonçalves no Movimento das Forças Armadas.


Ideias que, se tivessem vingado, não permitiriam que hoje fosse possível ao líder concelhio de um qualquer partido dizer o que diz. Aliás, nem sequer haveria lugar à existência da Oposição.

Provinciano como sou, ao contrário de outros flutuantes portugueses, não esqueço que foi o mesmo José Saramago que liderou o saneamento de cerca de 30 jornalistas no Diário de Notícias. Foi esse “cidadão de reconhecida consciência política e cívica” que determinou que esses jornalistas ou comiam e calavam ou iam para a rua. E foram.

O “cidadão de reconhecida consciência política e cívica” (José Saramago) foi militante comunista desde 1969 e tornou-se depois do 25 de Abril o mais exaustivo e cáustico arauto do “verdadeiro socialismo” que liderava a educação das massas contra a “democracia burguesa” e os “salazaristas do CDS”.

Portanto, embora Saramago seja um cidadão cosmopolita, os provincianos (que apenas têm estatuto de cidadão nas épocas eleitorais) têm o direito – creio – de ter uma opinião diferente.

Seja como for, creio que o PS/Porto não deveria pôr a questão à Câmara Municipal do Porto. Seguindo as profecias de José Saramago, basta esperar mais algum tempo para que a questão seja colocada a Espanha. E nessa altura até será possível mudar o nome da própria cidade.

Apesar de recente, não sei se alguém se recorda, a memória lusa é cada vez mais uma vaga ideia, mas no dia 15 de Julho de 2007, José Saramago resolveu, em entrevista ao “Diário de Notícias” dizer que Portugal, "com dez milhões de habitantes", teria "tudo a ganhar em desenvolvimento" se houvesse uma "integração territorial, administrativa e estrutural" com Espanha.

A bondade da ideia colheu, ao que parece, a simpatia nacional – sobretudo a que vagueia nos areópagos da macro-política lisboeta, a ponto de a Casa dos Bicos ficar então à disposição do pai da Ibéria.

Quem não terá gostado muito da ideia, embora só o tenha manifestado a 4 de Setembro de 2007, foi o presidente da República que considerou as opiniões de Saramago "um absurdo". Não me recordo o que o PS terá dito sobre o assunto.

Recorde-se que o prémio Nobel da Literatura em 1998 previu que Portugal vai acabar por tornar-se uma província de Espanha e integrar um país que se chamaria Ibéria para não ofender "os brios" dos portugueses. Se calhar Saramago até tem razão.

Portugal tornar-se-ia assim, sugeria o Nobel português, mais uma província de Espanha: "Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castilla La Mancha e tínhamos Portugal".

"Provavelmente [Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria. Se Espanha ofende os nossos brios, era uma questão a negociar", disse o escritor, membro do Partido Comunista Português desde 1986.

Então questionado sobre a possível reacção dos portugueses a esta proposta, Saramago disse acreditar que aceitariam a integração, desde que fosse explicada: "não é uma cedência nem acabar com um país, continuaria de outra maneira. (...) Não se deixaria de falar, de pensar e sentir em português".

Na visão do escritor, Portugal não passaria a ser governado por Espanha, passaria a haver representantes de ambos os países num mesmo parlamento e, tal como acontece com as autonomias espanholas, Portugal teria também o seu próprio parlamento.

Numa entrevista de quatro páginas ao DN, Saramago falou também da sua fundação, que deverá "intervir social e culturalmente, preocupar-se com o meio ambiente e outras questões", também na província espanhola de Portugal.

No caso de o PS e outros partidos ainda entenderem que deve ser Rui Rio a decidir, creio que o actual presidente da Câmara (eleito pela maioria dos portuenses) poderia ter um gesto simpático e atribuir a José Saramago o nome de uma rua.

Seria uma forma de enaltecer o trabalho do pai da Ibéria no sentido de os portugueses serem, cada vez mais, os mais europeus do norte de África e os mais africanos do sul da Europa...

2 comentários:

septuagenário disse...

O sonho de Saramago ainda precisa de alguem que consiga interpretá-lo.

Talvez os bascos consigam dar uma interpretação, porque em Lisboa e em Madrid, dificilmente seja possível uma interpretação.

Anónimo disse...

“O pai a Ibéria merece ter, em todas as aldeias,
vilas, lugares e cidades,
ruas com o seu nome.”
Isso, para mim, não é maior das novidades.
Conheço várias localidades
onde os deuses do escritor falecido
tinham mais de que uma escultura
e rua com o seu nome,
na mesma cidade,
como prova de alembradura,
em nome do povo, muito reconhecido,
os que, depois de falhada a revolução,
agora têm dificuldade para arranjarem dinheiro
para comprarem pão.
Claro que isso era uma ideia genial
dos camaradas do Comité Central,
os que geriam as vontades, o pensamento e o suor
do povo trabalhador.
Esses antigos dirigentes,
os que deixaram as suas gentes
quase nuas,
os que honraram secretários gerais e presidentes
construindo estátuas e dando nome às cidades e às ruas,
estão felizes, sorridentes,
mas receosos de que uma nova revolução
venha roubar-lhes a sua desonesta ostentação.
Com gente com tanta léria,
dá-te por feliz de só querem dar às ruas
o nome do Pai da Ibéria,
porque com as actuais, muito esquisitas, liberdades
poderiam quer mudar e dar
o nome dele às cidades.
Já te imaginaste a dizer, num bom português,
em vez de Lisboa, Porto e Coimbra,
Saramaburgos Um, Dois e Três?
Os nomes dos actuais políticos podem ser usados
para denominar as nossas praias.
Eles foram eleitos só para gozar férias,
sem exigências de competência e motivação
para gerirem os interesses da Nação.
Eles preocupam-se com os nomes das ruas e dos atalhos
para justificarem os seus salários,
sem canseiras e trabalhos,
e para que as gentes
pensem que eles são muito inteligentes,
como acontecia com o pessoal
do Comité Central.

Consulino Desolado