Em Dezembro
de 2008, a Voz da América teve acesso ao relatório da Missão de Observadores da
União Europeia, chefiada por Luísa Morgantini, às “eleições” em Angola.
A farsa foi vista mas, certamente por ordens
superiores, não foi oficialmente denunciada. Este ano vai ser o mesmo. A força
dos dólares decide o que deve ou não ser visto.
Em 2008, mesmo
obrigados a comer e a calar, os observadores europeus não deixaram de verificar
que, por exemplo, uma província “apresentou uma participação eleitoral de 108%”
e que “não foram utilizados os cadernos eleitorais para a verificação dos
eleitores no dia das eleições e como tal, não houve mais salvaguarda contra os
votos múltiplos além da tinta indelével, e nenhum meio para confirmar as
inesperadamente elevadas taxas de participação eleitoral”.
O que disse
de tudo isso a CNE angolana, a CPLP, a União Europeia, Portugal? O camarada
Durão Barroso? Nada. Se fosse a UNITA a ganhar teria caído meio mundo e os
arautos da democracia, de Durão Barroso a José Sócrates, teriam reclamado a
anulação das eleições. Como quem ganhou foi o eterno amigo MPLA, tudo ficou na
santa paz do petróleo de sangue.
Algo de
semelhante se prepara para as eleições do dia 31. Mais coisa, menos coisa os
protagonistas vão ser os mesmo. Saiu José Sócrates e entrou Passos Coelho, mas
para este efeito o discurso é o mesmo ou até será agora mais apologético do
regime. Barroso continua por lá e a CPLP mantém o seu estado habitual de coma.
O relatório
de Morgantini dizia, por exemplo, que a CNE “tomou decisões durante o período
de eleições que demonstraram algum grau de parcialidade (...) sendo notória a
falta de acesso dos representantes dos partidos políticos ao centro de
apuramento central e a não acreditação de um número significante de
observadores domésticos do maior grupo de observadores na capital”.
E então?
Então nada! Foi uma aldrabice completa e com total cobertura da comunidade
internacional, com Durão Barroso a dizer “porreiro, pá!”, certamente bem paga
por alguma organização filantrópica do tipo Sonangol.
A Missão de
Observação da União Europeia dizia ainda que “houve falta de transparência no
apuramento dos resultados eleitorais, que não foi autorizada a presença de
representantes dos partidos políticos nem de observadores para testemunhar a
introdução dos resultados no sistema informático nacional e não foi realizado
um apuramento manual em separado”, para além de “não terem sido publicados os
resultados desagregados por mesa de voto e como tal não foi possível a
verificação dos resultados”.
Em qualquer
Estado de Direito críticas deste tipo, apesar de suaves e açucaradas, fariam
com que as eleições fossem anuladas. Mas, tratando-se de um reino onde vale
tudo, nada acontece. E não acontece porque, na minha opinião, tão criminoso é o
que rouba como o que dá cobertura ao roubo. Ou seja, a União Europeia é tão
criminosa quanto o MPLA, por muito que isso custe a Durão Barroso & Cª.
Segundo o
relatório de Morgantini, “desde o período pré-eleitoral notou-se uma manifesta
superioridade financeira e organizacional do MPLA em comparação com outras
forças políticas”.
O relatório
dizia: “A Missão europeia assistiu a repetidos casos de abuso dos benefícios do
partido no poder durante a campanha, de igual modo, também se registaram casos
de uso de recursos do Estado assim como o envolvimento de autoridades
tradicionais e de funcionários públicos em actividades relacionadas com a
campanha a favor do partido dirigente, situações que colocaram todas as outras
organizações políticas em desvantagem”.
Tudo isto
deveria ser suficiente para Durão Barroso & Cª pedirem a demissão, pedirem
desculpa aos angolanos, pintarem-se de negro e irem viver para o Burkina Faso
(se este país os aceitasse, o que duvido).
Para a
equipa de observadores da União Europeia, “o processo eleitoral revelou
importantes lacunas e falta de clareza nos regulamentos que ordenam dois
aspectos fundamentais no exercício do sufrágio: a utilização efectiva e
obrigatória dos cadernos eleitorais em todas as mesas de voto assim como os
procedimentos para o exercício, transmissão e contagem dos votos especiais.
Para além disso, a falta de directrizes para o registo de angolanos residentes
no estrangeiro, tal como previsto pela Lei Eleitoral, efectivamente excluiu um
número significativo de cidadãos”.
Creio,
entretanto, que a União Europeia já deve ter pronto o relatório sobre as
eleições do próximo dia 31, devidamente aprovado pelo MPLA.
Recordam-se,
por exemplo, que o então presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE),
Caetano de Sousa, considerou que as
observações feitas pela União Europeia em relação às eleições
legislativas de 2008 eram extemporâneas?
E eram extemporâneas apenas porque, segundo ele, não
foram divulgadas logo após o pleito de 5 de Setembro.
Não esteve
mal e poderá ser um precedente útil, ou um aviso, para quem em 2012 ousar
meter-se com um regime que está no poder desde 1975 e tem um presidente, não
eleito, há 33 anos no poder.
Em
declarações à Voz da América, Caetano de Sousa considerou na altura que as
posições expressas no relatório final da Missão de Observação da União Europeia
não deviam sequer ser feitas nesta altura.
Eu digo
mais. Nem nesta altura nem nunca. Aliás, a União Europeia nem sequer deveria
ter mandado uma missão de observadores ao mais democrático e transparente
Estado de Direito do mundo, Angola.
É que para
fazerem figuras de urso ou de palhaço, os observadores europeus bem poderiam
continuar a actuar em exclusivo no circo europeu.
“Para nós
não nos oferece comentários se não os que já foram feitos anteriormente. O
relatório já está fora de prazo, isto devia ser apresentado logo a seguir à
finalização e apresentação do escrutínio. Os comentários posteriores a isto já
não os comentamos, porquanto achamos ultrapassados”, explicou Caetano de Sousa,
certamente num improviso decorado a partir da ordem do soba maior.
Mas para a
Missão de Observação da União Europeia foi muito bem feito. Ousaram, embora
timidamente, “cuspir” no prato em que o MPLA lhes deu comida e por isso foram
tratados como não se tratam os vira-latas. Só por isso valeu a pena Caetano de
Sousa reproduzir as ordens do dono do reino.
Também Ana Gomes, eurodeputada socialista portuguesa que
integrou a missão da União europeia, disse que eram “legítimas as dúvidas que
foram levantadas por partidos políticos e organizações da sociedade civil sobre
a votação em Luanda”, ou que “posso apenas dizer que a desorganização foi bem
organizada”.
Mas Ana
Gomes foi mais longe: “À última da hora, foram credenciados 500 observadores
por organizações que se sabe serem muito próximas do MPLA e parece que alguém
não quis que as eleições fossem observadas por pessoas independentes”.
Ou, “as
eleições em Luanda decorreram sem a presença de cadernos eleitorais nas
assembleias de voto e isso não pode ser apenas desorganização...”
No âmbito do
meu “jornalismo interpretativo” creio que da parte portuguesa o responsável pelo
relatório (calculo que esteja já escrito) sobre as eleições do dia 31 foi o ministro Miguel Relvas, tanto mais que – a
fazer fé nas palavras sábias de Carlos Magno, presidente da ERC – nem de
gravata precisa de mudar.
Acresce que
se Portugal não estiver do lado da verdade do regime, o que só por si constitui
um crime contra a segurança do Estado, a torneira dos dólares pode fechar-se. E
isso seria uma chatice.
Até mesmo a Newshold,
grupo angolano proprietário do semanário Sol, poderia afastar-se da privatização
da RTP…
Quanto a
Angola, a UNITA continua a chorar sobre o leite derramado. Não basta, aliás, ir
muito longe para ver que quem faz acordos com a onça acaba por ser comido.
Ainda tenho
bem presente, por exemplo, a noticia em que se ficou a saber que 15 196
ex-militares iriam beneficiar (o que é obra!) em 2010, de charruas, carroças,
sementes agrícolas diversas e fertilizantes, para o reforço da capacidade de
produção agro-pecuária nas comunidades rurais dos 11 municípios da província do
Huambo.
A entrega
desses instrumentos de trabalho enquadrava-se, segundo a versão do regime, na
implementação do programa do governo de reforço da reintegração dos
ex-militares, lançado no dia 21 de Dezembro de 2009 na comuna da Tchipipa
(Huambo).
Terá valido
a pena ser militar da UNITA? Terá sido para isto que o Mais Velho tanto lutou?
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