Embora não seja novidade, estudos recentes revelam que há uma cada vez mais numerosa comunidade de invertebrados numa gruta, ou buraco, que dá pelo nome de… Portugal.
É,
obviamente, uma comunidade que até tem um presidente. Sim, é aquele que tem uma
reforma que não dá para as despesas, que se assume como “provedor do povo”.
No dia 21 de
Janeiro deste ano, o Presidente dessa comunidade, Aníbal Cavaco Silva, afirmou-se como o "provedor do povo",
garantindo que recebe mensalmente mais de três mil cartas em que os portugueses
lhe dão conta das suas incertezas, angústias e ambições.
Ainda há
muita gente que, para além de invertebrada, também é ingénua. Aliás, por alguma
razão existe um provérbio português que diz: “quando mais me bates mais gosto
de ti”.
"O
Presidente da República é o provedor das incertezas, das angústias mas também
das ambições do nosso povo. O Presidente é, de facto, o provedor do povo",
sublinhou nesse dia Cavaco Silva em Vila Nova de Famalicão, acrescentando que
tem sempre a preocupação de "dar a todos uma resposta", embora nem
sempre seja possível "ajudar a resolver os problemas" que lhe são
apresentados.
"Sou
presidente do povo. Vim do povo e até ao fim do meu mandato serei Presidente do
povo. Não distingo entre a grande cidade, a vila, a freguesia ou a
aldeia", acrescentou Cavaco Silva.
Enquanto
candidato presidencial, Cavaco Silva disse que se sentia “provedor dos
portugueses” e que as críticas que então lhe foram feitas pelo líder
parlamentar do PS, Francisco Assis, não mereciam “a mínima resposta”.
Francisco
Assis considerou que Cavaco Silva estava a adoptar na sua campanha "uma
linha de orientação que não privilegiava a manutenção de um clima de
estabilidade institucional".
"O país
não precisa de um Presidente da República transformado num provedor universal
de todos os descontentamentos, nem tão pouco de um Presidente da República
erigido no papel de contra-peso da acção do Governo legítimo do país",
criticou Assis.
Não sei
porquê, mas até estou tentado a pensar, a continuar a pensar (e esta coisa de
pensar só complica), que se os políticos portugueses fossem sérios e honestos
(eu sei que é uma utopia, aqui e ali tornada realidade por raras excepções) se
calhar o país não teria mais de um milhão e duzentos mil desempregados, 20% de
pobres e outros tantos com os pratos vazios.
Recordo-me,
por exemplo, que o Presidente da República, o mesmo (ou aproximado) Cavaco
Silva, admitiu no final de 2008 que 2009 "iria ser um ano muito difícil"
e avisou o Governo que "a verdade é essencial", considerando que
"as ilusões pagam-se caras".
Chegou-se a
2010 e a história, pela boca do “provedor do povo e dos portugueses”
repetiu-se. Chegou-se a 2011 o disco tocou o mesmo, certamente na senda de uma
estratégia de aproximação de Portugal aos países mais desenvolvidos e
invertebrados do norte de... África.
Mas difícil
para quem? Não é preciso dizer. Nós sabemos. Para os milhões que têm cada vez
menos e não, é claro, para os poucos que têm cada vez mais milhões.
"A
verdade é essencial". Qual verdade? A verdade do primeiro-ministro, a
única possível já que ele é o dono dela, ou a dos portugueses de segunda, a
franca e esmagadora maioria?
Na sua
mensagem de Ano Novo (2009, recorde-se), Cavaco Silva afirmou não poder
esconder a "verdade da situação difícil em que o país se encontrava"
e que o caminho para "Portugal sair da quase estagnação económica"
era "estreito, mas existia".
Que, a existir,
a saída é estreita, que a saída nunca foi larga, todos sabemos. Não venham,
contudo, atirar areia à nossa chipala, dizendo que a saída é ainda mais
estreita do que realmente é, ou quando a
saída é apenas a porta de entrada para a tal gruta, ou buraco.
Aliás, se
para a maioria dos portugueses de segunda é estreita, para os de primeira é uma
monumental auto-estrada. Veja-se, por mero exemplo, que a Fundação EDP
contratou, por decisão do seu administrador e mui ilustre ex-jornalista Sérgio
Figueiredo, uma funcionária que é
sobrinha-neta de Eduardo Catroga, presidente do Conselho Geral e de Supervisão
da EDP.
O antigo
primeiro-ministro da gruta durante dez anos (o mesmo, ou aproximado, Cavaco
Silva) fez nessa mesma altura outros alertas, caso da necessidade de
"reduzir a ineficiência e a dependência do exterior em matéria de
energia" ou de "rigor e eficiência na utilização dos dinheiros
públicos”.
Rigor e
eficiência num país que substituiu o primado da competência pelo da
subserviência? Rigor e eficiência num país que não tem dúvidas em escolher um invertebrado
só porque tem um cartão do partido que está no poder?
Na sua
mensagem, Cavaco Silva confessou não dever esconder que 2009 iria “ser um ano
muito difícil", e afirmou recear o "agravamento do desemprego e o
aumento do risco de pobreza e exclusão social" e admitiu que "a crise
financeira internacional apanhou a economia portuguesa com algumas
vulnerabilidades sérias".
Pois é. Mas
o provedor, seja lá do que for, aí continua. E se ele, que em termos vitalícios tem direito mensalmente a 4.152 euros do
Banco de Portugal, a 2.328 euros da Universidade Nova de Lisboa e a 2.876 euros
de primeiro-ministro, e só foi primeiro-ministro de 6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de
1995, e só é presidente desde 22 de Janeiro de 2006, se queixa, o que dirão os súbditos de sua
majestade o “provedor do povo e dos portugueses”?
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