quarta-feira, março 09, 2011

Afirmar o óbvio para tudo ficar na mesma (*)

O presidente da República portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, alerta para o “drama” dos ‘novos pobres’, considerando que esta nova realidade “já não se alimenta de ilusões”. Não foi, creio, para dizer o óbvio que os portugueses votarem em Cavaco Silva. E muito menos para o ver deixar ficar tudo na mesma.

"Hoje somos confrontados diariamente com dramas pessoais e familiares que dificilmente poderíamos imaginar. São dramas que as estatísticas nem sempre revelam, mas que nos vão alertando para a dimensão social que a actual crise económica e financeira tem vindo a assumir”, declarou o chefe de Estado.

Que Cavaco Silva tenha dificuldade em imaginar os múltiplos dramas dos portugueses, ainda vá que não vá. Não pode, contudo, é escudar-se na ignorância de quem vive longe do país real para sacudir a água do capote.

Ou seja, acrescentou Cavaco, “homens e mulheres que sofrem em silêncio, ainda mal refeitos do choque que representa perderem um emprego ou o esboroar de um estilo de vida que se julgava conquistado”.

Pelos vistos levou tempo, demasiado tempo, a ver o diagnóstico que há muito foi feito por quem, mesmo desempregado, não penhorou a liberdade de opinião.

Cavaco continua a ter medo de dizer o que sabe ser a verdade. Ou seja, que grande parte das empresas vão à falência embora os seus donos e ou administradores fiquem mais ricos. Que para o desemprego vão as vítimas e não os responsáveis.

“É importante assegurar os meios materiais indispensáveis à acção social, definir bem as prioridades, aumentar a eficiência na criação de bem-estar e contribuir para atenuar os efeitos do desemprego, da quebra dos rendimentos e do endividamento asfixiante”, defendeu, considerando que o país tem de estar preparado para fazer fase a “situações de emergência social que possam vir a revelar-se”.

Não sei bem a razão, mas Cavaco Silva teima em tapar o sol com a peneira. E ainda por cima ninguém lhe diz que é de noite.

De um presidente de um Estado de Direito (eu sei que não é o caso de Portugal) esperar-se-ia que tomasse medidas para castigar tanto o ladrão que entra em casa como o que fica à porta. Mas não. Cavaco Silva parece querer castigar as vítimas dos ladrões.

De um presidente de um Estado de Direito (eu sei que não é o caso de Portugal) esperar-se-ia que visse a quem beneficia a infracção. Mas não. Cavaco Silva passa ao lado do cerne da questão.

De um presidente de um Estado de Direito (eu sei que não é o caso de Portugal) esperar-se-ia que procurasse – por exemplo – saber como é possível a uma empresa despedir dezenas de trabalhadores quando, poucos meses antes, os donos e ou administradores gastaram mais de 500 mil euros em carros novos para seu uso pessoal.

De um presidente de um Estado de Direito (eu sei que não é o caso de Portugal) esperar-se-ia muita coisa. E não apenas o óbvio para tudo continuar na mesma.

(*) Para memória passada, presente e futura: Artigo aqui publicado no dia 1 de Fevereiro de 2009.

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