A primeira deslocação oficial do Presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, no segundo mandato será um périplo pela Ásia, com deslocações a Timor-Leste, Indonésia e Tailândia.
No contexto da Lusofonia, folgo em saber que Cavaco Silva visita um país em que os seus dirigentes foram eleitos. Quererá isso dizer alguma coisa? Não. Com certeza que não. Portugal tem outras preocupações bem mais petrolíferas.
Espero, contudo, que Cavaco Silva não se esqueça de voltar Angola, sobretudo para felicitar o único Estado da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, à qual Luanda preside, que têm há 32 anos o mesmo presidente e que nunca foi eleito. Isto para além de ser (des)governado pelo mesmo partido, o MPLA, desde 1975.
Que importa que Angola seja de facto, que não formalmente, uma ditadura? Sim, o que é que isso importa tanto para o regime socialista português como para uma Presidência supostamente social-democrata?
A única coisa que conta nas ocidentais praias lusitanas é o petróleo, que é um bem muito – mas muito - superior aos direitos humanos, à democracia, à liberdade, à cidadania.
Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se bem que no reino socialista de José Sócrates tenha alguns dos seus mais latos expotentes.
A hipocrisia internacional é também (in)digna de registo que, por exemplo, a própria UNESCO projectou atribuir um prémio patrocinado pelo Presidente da Guiné-Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, mais um dos grandes ditadores da actualidade.
Vê-se, por aqui, que a própria agência das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura chegou a equacionar dar cobertura a um dos mais infames ditadores mundiais, apesar de só estar no poder há... 31 anos. Mas tem petróleo, acrescente-se.
E como Angola tem petróleo (grande parte roubado na sua colónia de Cabinda), ninguém se atreve a perguntar a José Sócrates e a Cavaco Silva se acham que Angola respeita os direitos humanos, ou se é possível que a presidência da CPLP seja ocupada por um país cujo presidente está no poder há 32 anos, sem ter sido eleito.
Reconheça-se, contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné-Equatorial (que agora até preside à União Africana) preenche todas as regras para ser um país amigo íntimo de Portugal, tal como foi a Tunísia, o Egipto ou a Líbia.
Cavaco Silva, como não poderia deixar de ser, não vê o que se passa mas amplia o que gostava que se passasse. Vai daí não se cansa (embora sem a mesma efusividade de José Sócrates) de enaltecer os méritos do regime angolano.
É claro que em Angola, tal como nos restantes países da Lusofonia, existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Mas, é claro, morrem em... português... o que significa um êxito também para Portugal.
Cavaco Silva, tal como José Sócrates, tem razão. O importante é mesmo os famintos e miseráveis da Lusofonia saberem dizer, em bom português, “não conseguimos viver sem comer”. Continuarão, como até aqui, sem comida, sem medicamentos, sem aulas, sem casas, mas as organizações internacionais vão perceber o que eles dizem.
Tal como perceberam que Portugal transferiu a presidência da CPLP, com todo o brilhantismo e à volta de uma mesa farta, para um país que, por exemplo, mantém forte presença militar e policial na sua colónia de Cabinda, que não respeita os direitos humanos e que é dos mais corruptos do mundo.
Mas o que é que isso importa? O importante é que Angola fala português, com ou sem acordo ortográfico, tem petróleo que nunca mais acaba (embora a partir de uma colónia) e, mais importante do que tudo, está em vias de resolver os problemas económicos de Portugal.
Problemas que acabarão quando a Oferta Pública de Aquisição, parcial ou total, lançada pelo regime do MPLA sobre Portugal se concretizar.
Mas, se a Tunísia, tal como a Argélia, o Egipto, a Líbia, a Venezuela ou a China, podem ser os grandes parceiros do socialismo lusitano, porque carga de chuva não se poderá dar o mesmo estatuto a Angola?
Recordam-se que, no dia 6 de Maio de 2008, o músico e activista Bob Geldof afirmou, em Lisboa, que Angola é um país "gerido por criminosos"? Ele disse, mas nem Cavaco nem Sócrates ouviram.
E não ouviram porque as verdades são duras e o capataz do reino angolano, Eduardo dos Santos, não iria gostar que eles dissessem que ouviram.
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