Muito gostam os líderes políticos de dizer o óbvio. Então não é que, agora, o Chefe de Estado do Senegal, Abdoulaye Wade, veio acusar o governo angolano de dar apoio militar e financeiro a Laurent Gbagbo, ex-actual-futuro etc. presidente da Costa do Marfim?
E Eduardo dos Santos fala de cátedra porque, recorde-se, até só está no poder (sem ter sido eleito) há 32 anos. E se ele entende que Laurent Gbagbo deve continuar a ser presidente, é assim que vai ser.
Aliás, a culpa do que se passa na Costa do Marfim é da comunidade internacional. Desde logo porque se esqueceu, neste e em muitos outros casos, de dizer que, para além de haver (uma espécie de) eleições, quando as há, quem perde tem de sair.
Laurent Gbagbo, como exigia a comunidade internacional, lá pôs o povo a votar. Mas como não explicaram tudo, ele esqueceu-se (como fez em Angola o seu grande amigo José Eduardo dos Santos) de pôr os mortos a votar. Vai daí, perdeu. Perdeu mas não sai.
Embora não ande na ribalta, a verdade é que a crise política na Costa do Morfim pode a todo o momento descambar numa guerra civil, coisa que todos sabem ser rara num continente onde há muitas riquezas, muitas armas e muita gente para morrer.
A situação tem, pelo menos a fazer fé nos muitos exemplos que chegam da região, uma grande vantagem: o povo morre mas as riquezas continuam lá...
A comissária para a ajuda humanitária e controlo de crises da União Europeia, Kristalina Georgieva, diz que a UE vai aumentar a assistência humanitária àquele país para 25 milhões de euros em alimentos e medicamentos.
E, ao que parece, a comunidade internacional nada mais pode fazer. Até porque existe uma grande diferença entre a qualidade dos que morrem na Costa do Marfim e a dos que morrem, por exemplo, na Líbia.
“A crise merece a mesma atenção a de outros países em conflito, por causa do número de pessoas afectadas, que excede as que vivem a mesma situação na Líbia”, recorda – e bem - a comissária.
Mas ninguém a ouve. Citando números da ONU, Georgieeva afirmou que quase 400 mil marfinenses tiveram de sair das suas casas, 200 mil pessoas fugiram da capital, Abidjan, e 80 mil já cruzaram as fronteiras da Costa do Marfim com a Libéria e com a Guiné.
Como se constata, o que Muammar Kadhafi está a fazer ao seu povo é um verdadeiro genocício. Como certamente diria João Gomes Cravinho, o líder líbio – que até há pouco tempo era considerado por José Sócrates como um “líder carismático” - não passa agora de um Hitler.
Em Darfur, no Sudão, fontes certamente muito mal informadas apontaram durante muito tempo para bem mais de 300 mil mortos e 2,5 mihões de deslocados. Embora o massacre tenha sido praticado por um regime islâmico, o melhor foi não lhe chamar genocídio.
Genocídio é com certeza o que se vai passando na Líbia e não, é claro, qualquer outra coisa que se passa na África mais profunda, mais a Sul. Para se falar de genocídio é preciso ver quem são as vítimas e quem são os autores.
Ou seja, se os autores são – por exemplo - israelitas e as vítimas palestinianos, então qualquer que seja o número de mortos e feridos é um genocídio. Se os autores são pretos e as vítimas também pretos (embora com armas e assessorias de brancos), então trata-se de um pequeno conflito, mesmo que morram aos milhares.
Mas o que é que isso importa? O mundo dos bons tem mais com o que se preocupar. A Faixa de Gaza, o cão de Barack Obama, o prémio de José Mourinho, a bitacaia de José Sócrates, são bem mais importantes do que umas centenas ou milhares de mortos em África, mesmo considerando que algumas dessas vítimas sentem a dor em português.
É claro que os africanos podem desaparecer, mas as riquezas naturais continuam lá à disposição dos donos do mundo. É a civilização ocidental no seu melhor.
É certo que a situação na Costa do Marfim ou na República Democrática do Congo continua a ferro e fogo, tal como continua perigosamente instável a vida na Somália, Sudão, Zimbabué, Chade, República Centro Africana...
Mas o que são milhares de mortos pela cólera no Zimbabué comparados com 400 líbios mortos pelos bombardeamentos de Muammar Kadhafi?
E o que são os milhões de pessoas que em toda a África morrem de fome, de doença ou pelos efeitos da guerra, comparados com a socialisticamente fabricada crise política em Portugal?
É claro que o importante é mostrar ao mundo que a aviação líbia tornou em escombros grande quantidade de prédios. Reconheço que tal não acontece em África. Não acontece mesmo. Em zonas onde há milhões de pessoas que vivem (quando vivem) em cubatas é difícil, calculo eu, ter imagens de prédios destruídos.
Além disso, o que interessa não são os africanos mas, antes, o petróleo e outros produtos vitais para o Ocidente. E se até Sarah Palin não tinha a noção do que era essa coisa chamada África, é bem natural que as ruas das principais cidades mundiais se encham de cidadãos de primeira preocupados com outros cidadãos de primeira, e não com essa espécie menor a que chamam pretos.
E assim se faz a história onde as prioridades, entre outras justificações, são feitas pela cor da pele. Racismo? Não. Nem pensar. Apenas uma realidade indesmentível: uns são pretos, outros não!
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