A violência pós-eleitoral na Costa do Marfim causou já mais de 460 mortos e quase um milhão de deslocados. Nada que preocupe os donos do mundo. Esses apenas conhecem a Líbia.
De há muito que se sabe (sabem os que não olham apenas para o seu umbigo) que na lista dos 10 países mais susceptíveis de se tornarem estados falhados, sete são da África sub-saariana, nomeadamente Somália, Sudão, Zimbabué, Chade, República Democrática do Congo, Costa do Marfim e República Centro Africana (os outros são asiáticos: Iraque, Afeganistão e Paquistão).
Mas a tal democracia que agora querem exportar para a Líbia tem destas coisas. Como bons mentores da verdade divina, EUA e Europa disseram que era preciso haver eleições e a Costa do Marfim realizou-as.
No entanto, como é habitual, não explicaram que quem perde tem de sair. É que, se tivessem explicado, não haveria eleições.
Em Angola verifica-se, por exemplo, que ao Ocidente basta uma UNITA com 10% dos votos para dar um ar democrático à ditadura do MPLA. Aliás, por alguma razão o Ocidente não reagiu às vigarices, às fraudes protagonizadas pelo MPLA. E não reagiu porque não lhe interessa que a democracia funcione, neste caso em Angola. É sempre mais fácil negociar com as ditaduras.
"Algumas pessoas já entenderam a essência da democracia, mas outras nem por isso, e os que nos querem hoje ensinar o que é a democracia são aqueles que atrasaram o país durante 500 anos e que são, ainda, as antenas e os acólitos do neocolonialismo na Guiné-Bissau", afirmou em tempos o ex-presidente guineense, Kumba Ialá.
Para o Ocidente, o importante é que se façam eleições “rapidamente e em força”, como disse – embora a outro propósito – António de Oliveira Salazar, seja onde for, mesmo sabendo que os povos vão votar com a barriga (vazia).
Mesmo sabendo que votar nestas condições nunca será sinónimo de democracia. Mesmo sabendo que, desta forma, não tardará que estejamos todos a lamentar mais umas mortes violentas.
Mas, do ponto de vista do Ocidente, vale a pena ter esses lamentos. E vale porque os africanos vão morrendo mas as riquezas, essas continuam lá à espera do... Ocidente.
Embora não ande na ribalta das preocupações internacionais nem conste das agendas da Imprensa, a verdade é que a crise na Costa do Marfim já descambou numa guerra civil, coisa que todos sabem ser rara num continente onde há muitas riquezas, muitas armas e muita gente para morrer.
A situação tem, pelo menos a fazer fé nos muitos exemplos que chegam da região, uma grande vantagem para o Ocidente, sobretudo para os EUA e a Europa: o povo morre mas as riquezas continuam lá...
Ao que parece, a comunidade internacional nada mais pode fazer. Até porque existe uma grande diferença entre a qualidade dos que morrem, por exemplo, na Costa do Marfim e a dos que morrem na Líbia.
Como se constata, o que Muammar Kadhafi está a fazer ao seu povo é um verdadeiro genocício. Como certamente diria João Gomes Cravinho, o líder líbio – que até há pouco tempo era considerado por José Sócrates como um “líder carismático” - não passa agora de um Hitler.
Genocídio é com certeza o que se vai passando na Líbia e não, é claro, qualquer outra coisa que se passa na África mais profunda, mais a Sul. Para se falar de genocídio é preciso ver quem são as vítimas e quem são os autores.
Na verdade, o que são os milhões de pessoas que em toda a África morrem de fome, de doença ou pelos efeitos da guerra, comparados com a situação na Líbia, ou até mesmo com a socialisticamente fabricada crise política em Portugal?
É claro que o importante é mostrar ao mundo que a aviação líbia tornou em escombros grande quantidade de prédios. Reconheço que tal não acontece em África.
Não acontece mesmo. Em zonas onde há milhões de pessoas que vivem (quando vivem) em cubatas é difícil, calculo eu, ter imagens de prédios destruídos.
Além disso, o que interessa não são os africanos mas, antes, o petróleo e outros produtos vitais para o Ocidente. E se até Sarah Palin não tinha a noção do que era essa coisa chamada África, é bem natural que as ruas das principais cidades mundiais se encham de cidadãos de primeira preocupados com outros cidadãos de primeira, e não com essa espécie menor a que chamam pretos.
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